O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

Renúncia — Emmanuel — 1ª Parte


1


Sacrifícios do amor

1 A paisagem era formada de sombras, numa região indefinível na linguagem humana. Substâncias diferentes das que compõem o solo terrestre constituíam a sua crosta sulcada de caminhos tortuosos entre arbustos mirrados, à semelhança dos cactos próprios das zonas áridas. Os horizontes perdiam-se ao longe, nas linhas escuras do quadro melancólico, como se aquela hora assinalasse pesado crepúsculo.

Fazia frio, agravado pelas rajadas fortes do vento úmido que soprava rijo, deixando no espaço vaga expressão de doloroso lamento. O lugar dava a impressão de triste país de exílio, destinado a criminosos condenados a penas ingratas.

Entretanto, ouviam-se vozes que a ventania quase abafava, como de prisioneiros cheios de expectação e de esperança.


2 Em singular e sombrio recôncavo, pequeno grupo de Espíritos culposos comentava largos projetos de atividades futuras. Suas túnicas exóticas e grandes capuzes pareciam identificá-los como estranhos ministros de um culto ignorado na Terra. Alguns se revelavam inquietos, taciturnos, outros deixavam transparecer nos olhos enorme desalento.

— Agora, — dizia um que evidenciava posição de relevo, — necessitamos renovar ideais, imprimir novo impulso à nossa volição enfraquecida. O passado vai longe e faz-se imprescindível arregimentar todas as forças para as lutas que vêm perto. A providência misericordiosa do Todo-Poderoso nos concede ensanchas de novas experiências na Terra. Meditemos em nossas quedas dolorosas no redemoinho das paixões do mundo e firmemo-nos nos santos propósitos de triunfo. Quantos anos temos perdido em amaríssimos sofrimentos, no Plano dos remorsos devastadores?… Recordemos as angústias da via expiatória e agradeçamos a Deus o ensejo de voltar às tarefas purificadoras. Esqueçamos a vaidade que nos envileceu o coração; a ambição e o egoísmo que nos torturam a alma ingrata, e preparemo-nos para as experiências justas e necessárias.


3 A voz do locutor, porém, embargava-se afogada em lágrimas. A lembrança dolorosa do passado empolgava o grupo de antigos sacerdotes desviados do nobre caminho que o Senhor lhes havia traçado.

Iniciara-se a troca de impressões entre todos. Alguns expunham dificuldades íntimas, outros comentavam a intenção de trabalhar devotadamente, até à vitória.

— O que mais me impressiona, — proclamava um companheiro, — é o fantasma do esquecimento que nos obscurece o espírito, lá na Terra. Antes da experiência, arquitetamos mil projetos de esforço, dedicação, perseverança; somos nababos de preciosas intenções, mas, chegado o momento de as executar, revelamos as mesmas fraquezas ou incidimos nas mesmas faltas que nos compeliram aos desfiladeiros do crime e das reparações acerbas.


4 — Mas, onde estaria o mérito, — explicava o amigo a quem eram dirigidas aquelas observações, — se o Criador não nos felicitasse com esse olvido temporário? Quem poderia aguardar o êxito desejável, defrontando velhos inimigos, sem o bálsamo dessa bênção celestial sobre a chaga da lembrança? Sem a paz do esquecimento transitório, talvez a Terra deixasse de ser escola abençoada para ser ninho abominável de ódios perpétuos.

— Entretanto, — objetava o interlocutor, — semelhante situação me atemoriza. Sinto enorme angústia só em pensar que perderei novamente a memória, que ficarei quase inconsciente de meu patrimônio espiritual, ao palmilhar as estradas terrestres, qual enterrado vivo a quem fosse subtraída a faculdade de recordar.


5 — Mas, como aprenderias a humildade com as reminiscências ativas do orgulho? Poderias, acaso, beijar um filho, sentindo nele a presença de um inimigo figadal? Conseguirias, de pronto, a força precisa para santificar, pelos elos conjugais, a mulher que manchaste noutros tempos, induzindo-a ao meretrício e às aventuras infames? Não percebes, no olvido terrestre, uma das mais poderosas manifestações da bondade divina para com as criaturas criminosas e transviadas? Concordo em que a experiência humana para quem observou, mesmo de longe, como aconteceu a nós outros, as resplendências da vida espiritual, significa, de fato, a reparação laboriosa no seio de um sepulcro; mas nós, meu caro Menandro, estamos desde há muito mumificados no crime. Nossa consciência necessita do toque das expiações salvadoras. A morte mais terrível é a da queda, mas a Terra nos oferece a medicação justa, proporcionando-nos a santa possibilidade de nos reerguermos. Renasceremos em suas formas perecíveis e, em cada dia da experiência humana, morreremos um pouco, até que tenhamos eliminado, com o auxílio da poeira do mundo, os monstros infernais que habitam em nós mesmos…


6 O amigo pareceu meditar aqueles conceitos profundos e, dando a entender que se convencera, interrogou com atenção, encaminhando a palestra para outros rumos:

— Quando se verificará nossa localização definitiva nos fluidos terrestres, com vistas à nova experiência?

— A qualquer momento. Como sabes, muitos dos nossos já partiram. Os benfeitores de nosso destino, que advogaram a concessão de novas oportunidades ao nosso esforço remissor, já nos enviaram a mensagem derradeira, desejando-nos realizações felizes nos trabalhos futuros.


7 Nesse instante, sucedeu qualquer coisa que o grupo de almas sofredoras e esperançosas não conseguiu perceber. Uma forma luminosa descia do plano constelado, semelhante a uma estrela desprendida do imenso colar dos astros da noite, que agora se caracterizava pela sombra mais envolvente e profunda. Quase ao tocar no centro da paisagem escura, tomou a forma humana, embora não se lhe pudesse determinar os traços fisionômicos, tal a sua auréola de ofuscante esplendor. No entanto, como acontece no círculo das impressões humanas condicionadas às necessidades de cada criatura, nenhum dos circunstantes lheregistou, de maneira absoluta, a presença generosa, senão mediante uma íntima alegria, permeada de santas esperanças. Ninguém poderia definir o sentimento de bom ânimo que se estabelecera, de modo geral. Elevada perspectiva de vitória no porvir palpitava, agora, nas conversações. Alguém declarou que naquele instante, por certo, estavam descendo novas bênçãos de Deus sobre o grupo antes receoso e abatido.

Menandro e Pólux, os dois amigos cuja palestra foi particularmenteregistada, salientaram a sublime alegria que lhes inundava o coração e o mais santo entusiasmo perdurou, entre todos, até que a pequena assembleia se dissolveu em meio de comovedoras despedidas e compromissos sagrados.


8 Pólux, todavia, ainda ali ficou longos minutos a meditar na magnanimidade do Altíssimo e na magnitude do porvir. Não percebia a presença da sublime entidade envolta em luz, que se conservava a seu lado, em atitude carinhosa, mas profundas emoções se lhe apoderaram do espírito, conduzindo-o às reminiscências do pretérito remoto. Naquele instante, sentia-se tocado por sentimentos intraduzíveis. Por que razão havia caído tantas vezes ao longo dos caminhos humanos? Numerosas lutas sustentara, a fim de unir-se a Deus para sempre, através do amor purificado e divino. Experiências laboriosas havia empreendido no Evangelho de Jesus, para servi-lo em espírito e verdade, e contudo, na luta consigo mesmo, as paixões subalternas sempre saíam vencedoras, em sinistros triunfos. 9 Em que constelação permaneceria Alcíone, a alma de sua alma, vida de sua vida? E recordava as renúncias e sacrifícios dela, em prol da sua redenção, lembrando que, se a sua alma de santa estava sempre repleta de abnegação, ele, por si, fora quase invariavelmente frágil e vacilante agravando os próprios fracassos. Principiara, de alguns séculos, a tarefa de resgate e aperfeiçoamento sob as claridades do Evangelho de Jesus-Cristo; procedera nobremente até certo ponto, mas, no instante de coroar a obra para a vida eterna, caíra miseravelmente, como criminoso comum. Desesperara-se. Chafurdara-se no lodo cruel. A revolta, porém, agravara-lhe as penas íntimas, compelindo-o a ceder ante o cerco apertado de novas tentações. 10 Rememorava, agora, a figura da alma bem amada, com lágrimas de amarguroso enternecimento. Sua memória parecia mais lúcida. À sua retina espiritual, desenhavam-se os séculos transcorridos. Alcíone sempre pura e devotada, ele sempre incorrigível e cruel. Nas últimas experiências havia pedido o hábito de sacerdote do catolicismo romano, desejoso de entregar-se ao ascetismo regenerador. Preferira tentar o esforço de abster-se das comodidades santas de um lar, a fim de sofrer o insulamento e as necessidades profundas do coração, buscando gravar no espírito, com o ferrete de padecimentos íntimos, o amor acrisolado e fiel. Mas, nas recapitulações perigosas, tal propósito falhara sempre. Conspurcara os santuários, traíra os deveres santos, esquecera os compromissos sagrados e saíra novamente do mundo como criminoso revel. Pólux considerou os erros do passado execrável e, premido pelas angústias da consciência, começou a chorar.


11 Onde estava Alcíone que parecia estranha às suas desventuras? Muitos anos haviam decorrido sobre as suas peregrinações, como Espírito desolado, entre remorsos acerbos, e nunca obtivera a dita de lhe beijar as mãos carinhosas e benfeitoras. De quando em quando, recebia-lhe as mensagens de incitamento e conforto sagrado; no entanto, não conseguia saciar a saudade torturante, nem evitar o próprio desalento do espírito caído no resvaladouro das amarguras cruéis.

Em palestra com os amigos. Pólux encontrava sempre poderosos argumentos para convencer os mais rebeldes ou consolar os mais tristes. Suas vastas reservas de conhecimento conferiam-lhe recursos espirituais que os demais não possuíam.

E contudo, naquela hora da sua eternidade, sentia-se profundamente só e desventurado.


12 Sob o jugo de atrozes recordações, sentindo que o instante de retorno ao orbe terráqueo estava próximo, procurou o refúgio caricioso da oração e murmurou baixinho, de olhos erguidos para o alto:

— Jesus, Mestre querido e generoso, concedei-me forças ao coração enfermo e perverso!… Dignai-vos cerrar os olhos para as minhas fraquezas e vede, Senhor, quanto sofro!… Fortalecei minha vontade vacilante e, se possível, meu Salvador, dai-me a graça de ouvir Alcíone, antes de partir!…

Mas, a essa evocação direta da bem-amada, o pranto lhe embargou a prece comovedora e dolorosa. Em atitude humilde, baixou os olhos nevoados de lágrimas e soluçou, discretamente, como se estivesse envergonhado da própria dor.


13 Nesse instante, a entidade amorosa que o assistia pareceu orar intensamente, despendendo notável esforço para se lhe tornar visível. Gradualmente, extinguiram-se os raios de luz que a envolviam em reflexos divinos. A sombra da paisagem cercou-a inteiramente, e uma jovem de singular beleza tocou o penitente nos ombros, num gesto de encantadora ternura.

— Pólux! — Murmurou com indizível doçura.

Ele ergueu a fronte e soltou um grito de inefável surpresa.

— Alcíone!… Alcíone!… — Respondeu com júbilo incoercível, postando-se de joelhos ao mesmo tempo que lhe osculava as mãos reconhecidamente. — Há quanto tempo me vejo privado dos teus carinhos?! Meus dias são milênios de inenarráveis angústias. Vieste atender ao mísero que sou?… Ah! sim, Deus sempre envia seus anjos aos desgraçados, como enviou Jesus aos pecadores…

— Levanta-te para o testemunho de amor ao Altíssimo, — disse ela com angélica ternura; — não te julgues abandonado nos caminhos da regeneração. O Senhor está conosco, como estou sempre contigo. Anima-te para novas experiências! Jesus não desampara nossos propósitos elevados. Sofre e trabalha, Pólux, e, um dia, nos reuniremos para sempre na radiosa eternidade. Deus é a fonte da alegria imortal, e quando houvermos triunfado de toda a imperfeição, banhar-nos-emos nessa fonte de júbilos infinitos.

— Ai de mim! — Replicou revelando amargurosa desesperança.


14 Não lamentes! — Tornou a entidade generosa, — não perseveres em lastimar, quando o Todo Poderoso nos faculta o direito de renovar o esforço para as divinas conquistas. Novas tarefas te aguardam no seio amigo da Terra generosa. Solicitaste uma oportunidade nova de consagração a Deus; a Providência te concedeu esse precioso ensejo.

— Sim, — esclareceu Pólux desfeito em lágrimas, — roguei a recapitulação do esforço dos sacerdotes devotados ao labor divino. Uma vez mais, quero tentar as provas da abnegação e do ascetismo, na exemplificação do amor ao próximo. Mobilizarei todas as minhas energias para avançar alguns graus na distância imensa que nos separa na escala evolutiva. Quero viver sem lar e sem filhos carinhosos, quero conhecer a solidão que muitas vezes já experimentaste no mundo, nos estrênuos sacrifícios por mim. Minhas noites hão de ser desertas e tristes, caminharei junto dos que caem e padecem sobre a Terra, no propósito de servir a Jesus, através da sua seara de amor e perdão.


15 Alcíone contemplou-o embevecidamente, olhos mareados de pranto, numa doce emoção de júbilo e reconhecimento. As afirmativas e promessas do amado penetravam-lhe o coração como brandas carícias. De há muito trabalhava com fervor pela obtenção daquele minuto divino, em que Pólux conseguisse compreender e sentir o Mestre no coração antes de interpretá-lo intelectualmente, apenas.

— Jesus abençoará nossas esperanças, — exclamou afetuosa. — Nós que saímos juntos do mesmo sopro de vida, chegaremos juntos aos braços amoráveis do Eterno.

Pólux soluçou convulsivamente.

— Esperar-te-ei, — disse ela, — através dos caminhos do Infinito. Lutarei ao teu lado nos dias mais ásperos, dar-te-ei as mãos sobre os abismos tenebrosos.

— Perdoaste-me, como sempre? — Interrogou Pólux, voz entrecortada pela emoção do encontro.

— Os que se amam fundem as almas no entendimento recíproco. Deus perdoa, concedendo-nos a oportunidade da redenção, e nós nos compreendemos uns aos outros.


16 E, evidenciando o desejo de restaurar as energias do amado, continuou:

— Quantas vezes também caí nas estradas longas e ríspidas. Acaso tenho um passado sem mácula?!… Não és o único a padecer nos resgates justos e penosos. Milhões de almas, neste mesmo instante, clamam as desventuras do remorso e invocam as bênçãos do Altíssimo para o trabalho retificador. E não será razão de infinita alegria a certeza da concessão divina para recomeçar? Já recebeste a permissão do Senhor para o reinício da luta, avizinha-se o instante bendito do retorno à  tarefa e pensaste, acaso, nas torturas imensas de quantos, neste minuto, se sentem oprimidos e amargurados, na expectativa ansiosa de alcançar a dádiva que já obtiveste?…


17 Pólux contemplou-a reconfortado, mas, objetou melancolicamente:

— Ah! sinto que poderia atingir culminâncias nas necessárias reparações; entretanto, Alcíone, precisava para isso da tua constante assistência. Sei que preciso recorrer a provas difíceis de abnegação e de ascetismo, mas… se pudesse, ao menos, ver-te na Terra… Serias, para a minha tarefa, a radiosa estrela d’Alva e, à noite, quando fluíssem do céu as bênçãos da paz, lembrar-me-ia de ti e encontraria nessa recordação o manancial da coragem e dos estímulos santos!…


18 Ela pareceu meditar profundamente e redarguiu:

— Implorarei a Jesus me conceda a alegria de voltar à Terra a fim de atender ao meu ideal, que se constitui, aos meus olhos, de sacrossantos deveres.

— Tu! Voltares? — Perguntou o precito, ébrio de esperança.

— Por que não? — Explicou Alcíone com meiguice. — O planeta terrestre não será um local situado igualmente no céu? Esqueceste o que a Terra nos tem ensinado qual mãe carinhosa, na grandeza de suas experiências? Muitas vezes, nós, na qualidade de filhos dela, manchamos-lhe a face generosa com delitos execráveis e, entretanto, foi em seu seio que o Mestre surgiu na manjedoura singela e levantou a cruz divina, encaminhando-nos ao serviço da remissão.

— Ah! se Deus permitisse ao mísero penitente que sou, — disse Pólux dominado por indisfarçável alegria, — a ventura de ouvir-te no estreito círculo terrestre, acredito que nada teria a temer na senda reparadora…


19 Alcíone notou-lhe o surto de alegria transbordante e, ponderando-lhe as observações, palavra por palavra, obtemperou:

— Antes da minha, precisarás ouvir a voz do Cristo, e se Ele com sua infinita bondade permitir minha volta à Terra, jamais olvidemos que vamos lá regressar, não para auferir gozos prematuros, mas para sofrer juntos no caminho redentor, até podermos desferir o voo supremo de felicidade e união, em demanda de Esferas mais altas. Na obra de Deus, a paz sem trabalho é ociosidade com usurpação. Não afastes os olhos do quadro de sacrifícios que nos compete fazer a favor de nós mesmos!

— Sim, Alcíone, tu és o meu anjo bom, — murmurou ele entre lágrimas. — Ensina-me a percorrer as estradas depuradoras. Não me desampares. Dize-me como devo proceder na Terra. Repete que te não afastarás do meu caminho. Inspira-me o desejo santo de resgatar meus pesados débitos, até ao fim…


20 Sentado, em atitude humilde, o mísero sofredor guardava a cabeça entre as mãos, enxugando as lágrimas copiosas.

Alcíone afagou-lhe os cabelos com ternura e falou docemente:

— Não temas a prova de purificação que te conduzirá ao júbilo na senda eterna. O cálice do remédio deve ser estimado por sua virtude curativa, não pelo travo do conteúdo, que apenas produz a penosa sensação de alguns segundos. Sê reconhecido a Deus nos sacrifícios, Pólux! Não desejes, nem esperes regalias na escola de edificação, onde o próprio Mestre encontrou a bofetada e a cruz do martírio. Não escutes as falsas promessas nem atendas aos caprichos perniciosos que nascem do coração. Obedece ao Pai e toma Jesus por cireneu de todas as horas. 21 A porta estreita, ainda e sempre, é o maravilhoso símbolo para a divina iluminação. Foge das fantasias envenenadas que trabalham contra as santificantes aspirações do espírito. Recorda as angustiosas experiências que tantas vezes empreendemos na Terra, para a conquista de nossa perpétua união. Não temos sede de enganosas satisfações. Temos sede de Deus, Pólux! O infinito amor que nos transfunde as almas tem sua origem sagrada em sua misericórdia paternal. Quero-te eternamente, como sei que a união comigo é a tua sublime aspiração: entretanto, seria justo encerrar nosso júbilo num círculo egoístico, tão somente? 22 Amamo-nos para sempre, a eternidade nos santifica os destinos, mas o Pai está acima de nós. Entreguemo-nos ao seu amor, no santo trabalho de suas obras. Em suas mãos augustas, meu querido, palpita a luz que enche os abismos. Haverá maior glória que praticar sua divina vontade, que se traduz em amor, dedicação e alegria? Nos caminhos novos a percorrer, lembra o Pai Amado e atende-o em todas as circunstâncias. Não acalentes no coração os germes da vaidade e do egoísmo. Sacrifica-te. Dá combate a ti mesmo. Os triunfos exteriores são aparentes e podem ser mentirosos. A vitória espiritual pertence à alma heroica que soube unir-se ao Céu, através de todas as tempestades do mundo, trabalhando por burilar-se a si própria.


23 Pólux chorava, compungidamente, mas rogou com expressão comovedora:

— Compreendo-te as palavras sábias e afetuosas! Farei tudo por unir-me a Deus e a ti, eternamente. Pede por mim a Jesus para que eu tenha reflexão e bondade no mundo…

No entanto, como se experimentasse um choque inesperado, levou as mãos ao peito, calou-se por momentos, para depois retomar a palavra, espantado e hesitante:

— Alcíone, querida, não sei se a emoção desta hora divina abalou minhas energias mais profundas; contudo, sinto que algo me envolve a fronte, uma força incoercível parece ameaçar o cérebro vacilante: experimento penosas sensações, como quando perdemos as forças devagarinho, antes de cair…


24 E, após outra pausa ligeira, voltava a exclamar, revelando amarga estranheza:

— Chamam por mim… ouço vozes que me chegam de longe… que vem a ser isto?!…

O rosto se lhe cobrira de intenso livor, de profunda palidez, e, deixando perceber que escutava interpelações de um mundo diferente, interrogou entre atemorizado e surpreendido:

— Como interpretar estes apelos?! É este o triste momento? Ah! não, não pode ser!…

Mas, nesse instante, a jovem sentou-se a seu lado; carinhosa, tomou-lhe a fronte cansada no regaço generoso e, afagando-lhe os cabelos com extrema ternura, esclareceu:

— Acalma-te. Chamam-te da Terra. Vais adormecer para despertar na experiência nova, nos Círculos da vida humana. Partirás de meus braços para o seio da afetuosa mãezinha que Jesus te destinou.


25 Pólux experimentava estranhas sensações, caracterizadas por súbito abatimento; mas, sentindo-se conchegado ao amoroso regaço de Alcíone, tinha a impressão de ser a mais venturosa das criaturas. Impressões dominadoras de sono senhoreavam-no e, no entanto, lutava desesperadamente contra elas, tentando dilatar a ventura daqueles momentos sublimes, obtemperando carinhosamente:

— Não desejaria outra mãe, senão tu mesma. Reúnes, para mim, todos os sagrados requisitos de mãe, de irmã, de companheira e noiva bem-amada…

Ela, que também demonstrava grande emoção nos olhos rasos d’água, acrescentou com meiguice:

— Sim, somos dois corações numa só alma, sob os desígnios do Altíssimo!


26 Pólux, agora, evidenciava intraduzível angústia. Os olhos moviam-se inquietos, obedecendo às ansiosas expectativas do seu mundo interior. O peito arfava dolorosamente, como se o coração tentasse romper o tórax, causando-lhe indefinível angústia. Seu estado geral dava a impressão de um moribundo na Terra, nas vascas da morte. Fixou os olhos inquietos na bem-amada, tal qual criança necessitada de carinho, e falou com dificuldade:

 — Alcíone, não será este padecimento igual ao da morte que conhecemos no mundo?!… n

 — Sim, meu querido, tua angústia de agora é outra crise periódica…

— Reconheço, — disse ele completando o raciocínio, — e estou certo de que terei crises semelhantes na Terra, ou noutros Planos, até que me liberte da morte no pecado… Um dia encontrarei a ressurreição eterna, a harmonia sem fim… Permanecerei a teu lado para sempre!…


27 A jovem aconchegou-o ao coração, com mais ternura.

— Alcíone, — murmurou dificilmente, — não sei se me perdoaste a ponto de permitir ao meu Espírito miserável a solicitação de uma dádiva celestial…

Ela adivinhou-lhe os pensamentos mais secretos e, todavia, com a delicadeza de quem não deseja parecer superior, retrucou carinhosamente:

— Dize, Pólux! Que não farei por tua felicidade?

— Desejava… que me beijasses… ao menos uma só vez, antes de partir…


28 Lágrimas ardentes repontaram nos olhos da noiva espiritual, que, estreitando-o ternamente de encontro ao coração, como se atendesse a tenra criança, replicou cheia de brandura:

— Antes disso, elevemos a Jesus nosso beijo de amor e reconhecimento. Roguemos ao seu coração magnânimo proteção e amparo ao nosso ideal divino.

O interlocutor fixou no seu rosto angélico os grandes olhos atormentados e murmurou:

— Acompanharei tuas preces…


29 Alcíone ergueu o olhar lúcido ao céu constelado, que esplendia além das sombras que envolviam aquela região de amargura, e orou fervorosamente:

— Mestre amado…

Depois da pausa natural, Pólux repetiu comovedoramente:

 — Mestre amado…

A jovem sentiu que o pranto quase lhe embargava a voz, mas, seguida por ele, continuou:

— Com veneração e carinho, nós, meu Jesus, desejamos oscular vossos pés. Recebei no santuário de vossas glórias divinas a pobre lembrança dos servos humildes e necessitados. Nossas almas estão cheias de gratidão à vossa bondade. Permiti, meu Salvador, que possamos honrar o vosso nome trabalhando na seara de perdão, de verdade e de amor, com a vossa doutrina. Abençoai nossas lutas salvadoras, dai-nos a força para vos testemunhar eterna fidelidade, amparai nossos Espíritos até ao dia em que nos possamos unir em vosso seio, na claridade sem fim da eternidade luminosa!…


30 Alcíone interrompeu a oração, que se assemelhava a um cântico divino fragmentado por doce estacato. Na paisagem desolada, fizera-se luz intensa, que Pólux não conseguia perceber. Generosos emissários acercaram-se dos dois filhos de Deus, que imploravam, de todo o coração, o amparo de Jesus.

A jovem, nesse momento, inclinou-se para o bem-amado e, na compostura de mãe carinhosa e desvelada, beijou-o longamente nos lábios com infinita ternura.

Pólux desejou proclamar seu precioso júbilo, dizer da suave emoção que lhe banhava o espírito, suplicar a dilação daquela hora gloriosa do caminho eterno, mas não conseguiu articular palavra. As lágrimas ardentes, porém, que lhe rolavam dos olhos qual lúcido colar de pérolas divinas, diziam bem alto da sua comoção indefinível. Olhar fixo em Alcíone, qual agonizante na Terra que desejasse guardar para sempre o quadro mais querido, cerrou as pálpebras cansadas e rendeu-se ao grande sono.


31 Foi aí que os mensageiros do Cristo aproximaram-se da comovida jovem, que lhes entregou o bem-amado com profundo desvelo, falando-lhes brandamente:

— Irmãos, não esqueçais de que vos confio um tesouro!…

Em seguida, tomou sua roupagem de luz e afastou-se da paisagem nevoenta, dando a impressão de uma estrela solitária que regressava ao paraíso.


32 Pouco depois, ei-la que aporta em portentosa Esfera, inconfundível em magnificência e grandeza. O espetáculo maravilhoso de suas perspectivas excedia a tudo que pudesse caracterizar a beleza, no sentido humano. A sagrada visão do conjunto permanecia muito além da famosa cidade dos santos, idealizada pelos pensadores do Cristianismo. Três sóis rutilantes despejavam no solo arminhoso oceanos de luz mirífica, em cambiâncias inéditas, como lampadários celestes acesos para edênico festim de gênios imortais. Primorosas construções, engalanadas de flores indescritíveis, tomavam a forma de castelos talhados em filigrana dourada, com irradiações de efeitos policromos. Seres alados iam e vinham, obedecendo a objetivos santificados, num trabalho de natureza superior, inacessível à compreensão dos terrícolas.


33 Alcíone penetrou num templo de majestosas proporções, dominada por pensamentos intraduzíveis. Muito acima da nave radiosa, elevava-se uma torre translúcida, trabalhada em substância sólida e transparente, semelhante ao cristal, de cujo interior jorravam melodias harmoniosas.

O santuário augusto era uma vasta colmeia de trabalho e oração.

Alcíone passou por companheiros muito amados, atravessou compartimentos repletos de luz nitente e, aproximando-se de Antênio, — a entidade angelical que, por sua excelsa posição hierárquica, ali cumpria as ordenações de Jesus, falou com humildade:

— Anjo amigo, deliberei suplicar ao Senhor a permissão de voltar temporariamente às tarefas terrenas.

— Como assim? — Inquiriu Antênio admirado, — acaso todos nós permanecemos aqui impossibilitados de auxiliar o planeta terrestre? Não estamos a serviço do Cristo, no afã espiritual de reerguer esse orbe?

— Explico-me, — disse a recém-chegada timidamente: — rogo a concessão de um corpo terrestre, caso Jesus me conceda essa dádiva.


34 O generoso mentor contemplou-a com amoroso respeito, compreendeu-lhe as intenções mais íntimas, esboçou um sorriso de bondade e perguntou:

— Mas, teus trabalhos na constelação de Sírius? ( † ) Não estás cooperando com os benfeitores da Arte terrestre? Acredito não vir longe a época de serem levados ao mundo terreno os necessários elementos de inspiração, depois do resultado de tantos esforços para a solução de certos problemas do ritmo e da harmonia.

— Se possível, — acrescentou a jovem com emoção, — desejaria interromper essas pesquisas que me falam gratamente à alma, para retomá-las no porvir.


35 — Mas, Alcíone, — obtemperou o orientador dando força às palavras, — porque um novo e arriscado compromisso? Compreendo as razões que interferem na tua súplica; entretanto, pondero que podes trabalhar aqui mesmo, a favor daqueles a quem amas, encorajando-os e assistindo-os da Esfera em que te encontras.

— Confesso-te, porém, generoso Antênio, que profundas saudades me lancinam rudemente o coração. Será condenável o desejo firme de alcançar a felicidade através das renúncias do amor e nos propósitos de semear o bem?! Perdoa-me se a presente rogativa causa estranheza à tua alma carinhosa, que tanto me tem amado no glorioso caminho para Deus. Releva-a, recordando que o próprio Jesus teve saudade de Lázaro e, ainda agora, na majestade da sua glória divina, experimenta cuidados pelos discípulos caídos, que padecem e choram!…


36 A bondosa e sábia entidade ouviu-a comovida, em afetuoso silêncio.

— Além disso, — prosseguiu mais animada, — não desejo regressar à forma estruturada em poeira, tão somente para seguir o amado Pólux, a quem me permitiste advertir e consolar. Quase todos os meus companheiros bem-amados, no esforço evolutivo de outras eras, estão atualmente no Planeta, mas, em sua generalidade, envenenados por consequências sinistras de oportunidades menosprezadas e perdidas. Às vezes, suas queixas dolorosas e aflitivas me repercutem penosamente n’alma, ouço-lhes as preces ansiosas e nossos cooperadores nos fluidos pesados do orbe me enviam mensagens que são verdadeiros brados de socorro, aos quais não posso ficar insensível, por mais que me procure confugir à perfeita confiança no Todo-Poderoso.

— Sim, — atalhou Antênio, sensibilizado, — conheço os teus motivos sacrossantos.


37 E, como quem desejava ministrar todos os esclarecimentos possíveis ao seu alcance, continuou:

— Apesar de nossos bons desejos, querida Alcíone, não creio que Pólux obtenha desta vez o êxito imprescindível. Seu esforço de agora será uma experiência proveitosa, mas, possivelmente, ainda não logrará a coroa da vida. Embora a dedicação que me compele a falar-te em termos tão sinceros, devo acrescentar que essa é a verdade clara aos nossos olhos. Entretanto, também sei que outros velhos amigos teus caíram em tenebrosos desvios de impiedade, traindo sagradas obrigações. Os que te foram pais, algumas vezes, perderam-se na embriaguez da autoridade e nas fantasias da fortuna; os que te foram irmãos e familiares tombaram vencidos no despotismo e na desvairada ambição. E o mais lamentável é que se complicaram mutuamente, alimentando a fornalha do ódio com a lenha do egoísmo, carbonizando intenções generosas e anulando estrênuos esforços de quantos os auxiliam com abnegação e nobreza. Nenhum cedeu em caprichos, ninguém perdoou nem esqueceu o mal. As ervas daninhas invadiram o campo de tuas esperanças divinas. Teus compromissos com o Senhor sofrem pesadas ameaças. Justifico, desse modo, as tuas razões, embora não possa aplaudir a extensão dos sacrifícios que pretendes fazer.


38 A jovem demonstrou, no olhar, sincero reconhecimento por semelhantes palavras de compreensão e exclamou:

— Anjo amigo, tenho tanto desejo de acariciar aquela que me foi mãe desvelada em outros tempos!… Não será justo procurar assistir os que, noutras eras, me auxiliaram a penetrar as sendas da redenção?

— Ouve, porém, Alcíone, — observou Antênio solenemente —, tuas rogativas são louváveis e tuas aspirações são mais que justas; mas, assim como te aconselhei advertir Pólux, devo também exortar-te por minha vez. Deves saber o volume dos trabalhos e responsabilidades que solicitas do Mestre.


39 — Sim, replicou a jovem sem hesitação, estou disposta a procurar minhas dracmas perdidas, ( † ) se mo permitires em nome do Senhor.

— Já ponderaste nos obstáculos imensos? Lembra que o próprio Jesus, penetrando na região terrestre, foi compelido a se aniquilar em sacrifícios pungentes. Recorda que as leis planetárias não afetam somente os Espíritos em aprendizado ou reparação, mas, também, os missionários da mais elevada estirpe. Experimentarás, igualmente, o olvido transitório e, embora não tanto agravados em virtude das tuas conquistas, sentirás o mesmo desejo de compreensão e a mesma sede de afeto que palpitam nos outros mortais. Para esclarecimento desses problemas, minha querida, o Mestre deixou à comunidade dos discípulos profundos ensinamentos no Evangelho. 40 O mundo, representado por maus sacerdotes e falsos doutores, buscou tentar o próprio Jesus. Já meditaste na tua aproximação de Pólux, investida num corpo de carne? Sabemos que Pólux parte com deveres de suma importância, em função de coletividade; e tu te sentes preparada para neutralizar a poderosa lei da atração das almas? Não o digo no sentido de preocupações subalternas, mas ponderando a grandeza dos teus sentimentos afetivos, em relação à grandeza mais sublime das obrigações assumidas para com Deus. Terás ânimo para lhe ouvir no mundo os rogos amorosos, mantendo-o no seu posto, incólume e sobranceiro à solidão de si mesmo? Sem dúvida, a lei terrestre te encherá de desejos e te induzirá a considerar a possibilidade de proporcionar-lhe filhos afetuosos, em obediência aos seus princípios naturais. 41 Além disso, teus afetos de outras épocas, como, por exemplo, os que te foram pais amorosos, receberão a palma de lutas ásperas e agudas provações. A senda de quase todos os teus amigos está semeada de espinhos, que eles próprios plantaram no seu desapego à misericórdia do Todo-Poderoso. Sentes-te bastante forte para assumir tão grave compromisso? Conheço numerosos irmãos que, depois de pedirem missões arriscadas como esta, voltaram onerados de mil problemas a resolver, retardando assim preciosas aquisições.

— Conheço a gravidade da minha decisão, — esclareceu a jovem com muita humildade, — mas, sabendo-me fraca pelo muito que amo, espero que o Senhor me fortaleça nos dias de sombra e aflição. Pela cruz que sua magnanimidade aceitou em nosso benefício na Terra, rendo-me à sua augusta vontade, mantendo, contudo, minha sincera rogativa!…


42 Antênio contemplou-a tomado de nobre admiração e sentenciou:

— Louvo os teus propósitos firmes e sei que tua poderosa confiança no Cristo é penhor sagrado de vitória; mas, devo ainda lembrar-te que a situação terrestre dos que se propõem ao serviço legítimo da virtude — ainda e sempre — é inçada de sofrimentos atrozes. Não desconheces que, nessas missões sublimes, a criatura disputa o direito de acompanhar o Mestre em seus passos divinos. O discípulo da verdade e do amor, no mundo, é alguma coisa de Jesus e de Deus, e a massa vulgar não lhe perdoa tal condição, sobrecarregando-o de pesados amargores, porque seus sentimentos não são análogos àqueles que a conduzem a incoerências e desatinos. Não poderá haver acordo entre a virtude e o pecado. E como o pecado ainda domina o mundo, a tarefa apostólica em seus trâmites será sempre um doloroso espetáculo de sacrifício para as almas comuns. Todos os que seguiram Jesus foram obrigados a identificar o destino com o sinal do martírio. Os que se não desprendem da Terra, crucificados nas dores públicas, retiram-se ao desamparo, esmagados pelos opróbrios humanos, caluniados, humilhados, encarcerados, feridos. Raros triunfaram conservando a serenidade e o amor imaculado, até ao fim!… Ponderaste semelhantes experiências em que tua alma peregrinará por algum tempo, retalhada de angústias?!…


43 — Sim, generoso amigo, refleti em tudo isso e estou resolvida ao testemunho, por mais cruel que seja o meu roteiro.

— Venturosa serás se puderes aceitar o sofrimento na Terra, dentro desse conceito, — exclamou o mentor com grande tranquilidade. — O homem comum, nos seus interesses mesquinhos, não considera a dor senão como resgate e pagamento, desconhecendo o gozo de padecer por cooperar sinceramente na edificação do Reino do Cristo.

— Jesus, que vê o meu coração, ensinar-me-á a transformar a tortura em cântico de graças e me auxiliará a esquecer as cogitações menos dignas de que me possam cercar os espíritos vulgares relativamente ao trabalho porfiado e difícil da redenção e do engrandecimento da vida.


44 Antênio comoveu-se profundamente em face de tão valorosa resolução e respondeu, afinal:

— Pois bem, já que te firmas em propósitos tão altos e guardas todos os preceitos justos e imprescindíveis à situação, permito o teu regresso à Terra, em nome do Senhor.

Alcíone transbordava de júbilo santo. A suave emoção daquela hora abria-lhe portas resplandecentes de esperança e alegria inexcedíveis.

— Considerando, — disse o amoroso instrutor, — que partirás não mais ocasionalmente e sim para uma transformação sacrificial, que exigirá muito trabalho e renúncia, ficas desde já desligada de tuas obrigações nesta Esfera, a fim de te adaptares vencendo as situações adversas das regiões inferiores que nos separam do mundo, no que, pressinto-o, deverás gastar quase dez anos terrestres.

Alcíone, vertendo lágrimas de alegria e gratidão, aproximou-se, tomou a destra de Antênio e murmurou:

— Deus te recompense!…

— Que a sua misericórdia te abençoe! — Exclamou o instrutor acariciando-lhe os cabelos. — Seguir-te-ei daqui com as minhas preces e esperar-te-ei confiante na vitória futura!…


45 A generosa amada de Pólux ainda se conservou no templo, até ao fim do dia.

Ao crepúsculo, quando se despediam no espaço os raios dos três sóis diferentes, em deslumbramento de cores, Alcíone reuniu-se a numeroso grupo de amigos e orou com fervor, suplicando as bênçãos do Pai misericordioso.

O firmamento enchia-se de claridades policrômicas e deslumbrantes. Satélites de prodigiosa beleza começavam a surgir na imensidade, envolvendo a paisagem divina num oceano de luz.

A carinhosa benfeitora osculou a fronte dos companheiros de serviço divino e partiu…


46 Daí a instantes, chegava ao templo pequena caravana de entidades jubilosas. Era a reduzida expedição que operava nas Esferas de Sírius. Um dos seus componentes, depois de fitar a vastidão do céu, entrou no templo e dirigiu-se a Antênio, interrogando:

— Quem é o viajor que vai seguindo na direção das Faixas Negras?

— É Alcíone que se propôs novo trabalho entre os Espíritos encarnados na Terra.

— Que dizes? — Revidou tomado de espanto, — Alcíone beberá novamente o cálice amargo de tamanha renúncia?

— São os sacrifícios do amor, meu filho! — Respondeu o preposto do Cristo, evidenciando compreensão e serenidade. — Só o amor poderia compeli-la a permanecer ausente do nosso Amado Lar.

Então, saíram todos para o jardim resplendente que rodeava o santuário, e, contemplando a figura luminosa que se afastava rumo às zonas obscuras, enviaram à abnegada companheira, que partia para tão longa e perigosa viagem, seus votos de confiança e amor, em preces sinceras.


Emmanuel



[1] Os fenômenos da reencarnação, como aqueles que assinalam o desprendimento do Espírito no mundo, abrangem as mais variadas formas e se verificam de acordo com as necessidades de cada um. — Nota de Emmanuel.


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir