O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

Quem são — Familiares diversos


9


Pensamentos de paz e bênção

1 Querida mãezinha Marli e meu querido papai Antônio.

2 É com muita gratidão a Deus que lhes venho dizer que prossigo sempre a mesma, inacessível à morte que se me pretendia impor.

3 Lembro-me de tudo. O sábado amanhecera alegre. Um descanso e um passeio. Achava-me sem qualquer ideia reprovável junto a pessoas amigas, na Exposição, quando descobri o Vinícius a me fitar, com a expressão de doente…

4 Mamãe Marli, se lhes posso pedir alguma cousa além da vida e da felicidade que me proporcionaram, desculpem o nosso amigo e esqueçam o acontecido… Ele não sabia o que estava fazendo.

5 Notei, sem a menor possibilidade de imobilizar-lhe as mãos, que ele apertava o gatilho… O projétil me alcançou à maneira do raio que, na tempestade, ao que suponho, desce sobre uma pessoa claramente despreocupada quanto à agressão da morte.

6 Ouvi os gritos de muitos amigos, as exclamações de lástima que se pronunciavam, entretanto, a minha voz se apagara, gestos não conseguia ensaiar nem de leve e, por dentro de mim, com as lembranças da família querida, estava simplesmente a oração que não sabia articular, mas que partia de mim na forma de sentimentos.

7 Ali mesmo, pedi perdão para mim e para o amigo que me alvejara e que a fé cristã me determinava receber por irmão.

8 Por fim, foi um sono tranquilo a que me rendi sem qualquer resistência. Era um torpor suave, como se eu sonhasse vê-la ao meu lado, a beijar-me os cabelos.

9 Sentia a presença das afeições queridas, entretanto, em minha imaginação, tudo adquirira a moldura de repouso, em que me reconhecia leve, lamentando comigo a ideia de que teria de acordar como de costume.

10 No entanto, não despertei, segundo o hábito de todos os dias. 11 Do sonho, passei a uma inconsciência pesada de que me desvencilhei somente mais tarde, ignorando quanto tempo me custara aquele abandono de mim própria.

12 A lembrança de que fora marcada por um acontecimento que me buscava a memória, pairou dentro de mim, em forma de semiperturbação, até que fixei a reminiscência…

13 A hora de companheirismo, o coração tranquilo de moça a gritar esperança para a vida, e depois o tiro que me ecoou em todas as fibras da alma.

14 Desconhecendo se estaria morta ou viva, pedi socorro a Deus, consciente agora de que me achava refugiada num quarto confortável e claro, como que à espera de enfermeiros e médicos que não apareciam…

15 Pedi a presença de alguém, usando a voz alta, surpreendida com a possibilidade de falar livremente, e quem surgiu foi uma senhora que me lembrava o seu carinho. Afagou-me a cabeça e recomendou-me descanso…

16 Perguntei por minha situação, ao mesmo tempo que lhe agradecia, quando a recém-chegada me solicitou a chamasse por vovó Camilla, e longe de me dizer que não conseguiria mais voltar à nossa casa, com o corpo que ainda supunha comigo, me abraçou de tal modo que os pensamentos dela me envolveram de todo, e bastou isso para que eu viesse a entender tudo…

17 Sim, eu não voltaria mais ao nosso recanto, e Deus me concedia ali uma segunda mãe. Chorei quanto quis, porque a generosa protetora não me impedia a evasão daquele pranto que parecia me lavar o coração… Somente depois, veio o nosso diálogo…

18 E a senhora, querida mamãe, pode imaginar tudo o que se conversou para que me acalmasse… 19 Confesso-lhe que ainda me encontro numa convalescença difícil, mas já consegui chegar até este balcão de fraternidade do qual, em companhia de minha avó, posso endereçar à família a minha solicitação de desculpas para o companheiro que se encontrava em tanta dificuldade consigo próprio.

20 Mãe querida, não acredito que ninguém possa abater os seus semelhantes, quando no estado normal de emoções e pensamentos.

21 Que a Misericórdia de Deus envolva aquelas mãos fraternas, tanto quanto se compadeça de mim. Em verdade, nada fiz, ao que suponho, para receber aquela carga de morte.

22 Achava-me em paz comigo própria, no entanto, quem sabe, trago de outras paragens algum erro para com ele que se uniu a mim, pela dor, tanto quanto julgava permanecer comigo pelo amor?

23 Para ele, mamãe, os nossos pensamentos de paz e bênção. E que Deus nos proteja a todos.

24 Peço dizer à Luciene, à Sirlene e à Marise que não as esqueço e que, em minha vida nova, rogo a Jesus conservar as irmãs queridas livres de qualquer sombra ou de qualquer passo infeliz. Estou melhorando…

25 O meu problema é recente demais para que me veja absolutamente desligada de qualquer impressão do acontecimento, mas a transformação está sendo feita e já consigo dizer-lhes, ao seu coração, a meu pai e a todos os nossos, que estou quase bem e que do ponto de vista espiritual, sinto-me perfeitamente integrada em minha paz de consciência.

26 Agora, é o momento de encerrar esta carta. Vejo aqui pessoas amigas, às quais agradeço as preces com que me socorreram. Jesus recompense a todos.

27 Peço à senhora e a meu pai me abençoarem, como sempre, com o íntimo desanuviado e sem qualquer ressentimento.

28 Estamos bem por dentro de nós mesmos e isso é uma felicidade, que não se compara com qualquer espécie de alegria exterior.

29 Mãezinha Marli, lembre-me nos seus braços e beije a sua filha saudosa, sempre a filha que não a esquecerá,


Marilene

Marilene Rezende Ferreira


“DESCULPEM O NOSSO AMIGO E ESQUEÇAM O ACONTECIDO”


De nossa entrevista com a Sra. Marly de Resende Ferreira, em Uberaba, a 6 de outubro de 1980, graças à gentileza do casal Sr. Urbano T. Vieira — D. Ondina, e à carta que nos enviou, no dia seguinte, com farto material iconográfico, respigamos apenas os seguintes dados, na expressiva mensagem de Marilene, transmitida 33 dias após a sua desencarnação, através do médium Xavier, a 26 de setembro de 1980, a que demos o título de “Pensamentos de Paz e Bênção”:

1 — Marilene Resende Ferreira nasceu em Araguari, Estado de Minas Gerais, a 16 de agosto de 1957, aí desencarnando a 23 de agosto de 1980, às 23 horas, no Parque de Exposição Rondon Pacheco, em consequência de traumatismo crânio-encefálico por projétil de arma de fogo. Filha do Sr. Antônio Alves Ferreira e de D. Marly de Resende Ferreira, Marilene esteve casada por quatro anos, tendo deixado um filho — Rogério Ferreira Marques —, atualmente com seis anos de idade, vivendo em companhia de seus avós maternos. Em janeiro de 1980, submeteu-se a uma série de intervenções cirúrgicas, inclusive nefrectomia total (rim direito). Ultimamente, lia vários livros espíritas, tendo apreciado bastante o Irmã Vera Cruz, n cuja primeira edição saíra do prelo, dias antes de sua desencarnação.

2 — “Achava-me sem qualquer ideia reprovável junto a pessoas amigas, na Exposição, quando descobri o Vinícius a me fitar, com a expressão de doente…” — Trata-se de José Vinícius Pereira, que a alvejou com um tiro de revólver, seu ex-namorado, preso em flagrante, a quem o Espírito de Marilene pede perdão.

3 — Vovó Camilla: Trata-se de sua trisavó materna, cujo nome completo D. Marly não conseguiu apurar, sabendo-se apenas que ela desencarnou em Abadia dos Dourados, Estado de Minas Gerais, há cerca de sessenta anos.

4 — “Em verdade, nada fiz ao que suponho, para receber aquela carga de morte. / Achava-me em paz comigo própria, no entanto, quem sabe, trago de outras paragens algum erro para com ele que se uniu a mim, pela dor, tanto quanto julgava permanecer comigo pelo amor?” — A propósito deste expressivo passo de Marilene, mulher desquitada quando no mundo vale a pena transcrever a parte final do último capítulo do “Extrato dos Manuscritos de um Jovem Médium Bretão”, ( † ) de Eug. Bonemère que Allan Kardec mandou traduzir para a Revista Espírita:  n

“Diz-se frequentemente de pessoas que se casam mas não se amam:

— Eles se amarão mais tarde!

Isso é bem pouco provável, e até pelo contrário, porque a atração é livre e não se deixa violentar. Há, sem dúvida, pessoas de natureza pouco fluídica, para as quais a estima pode suprimir a falta de amor; mas as naturezas grandes e generosas não saberiam contentar-se com esses sentimentos mornos. A indiferença toma então o lugar do amor que falta, e é raro que, apesar de todos os mais belos raciocínios que façam, um ou outro desses esposos mal sucedidos não se encantar por outra pessoa. Talvez tenha a força de resistir a esse arrastamento, mas será incuravelmente infeliz.

Fechemos pois os ouvidos a essas falsas opiniões, e que as famílias não façam jamais do casamento um negócio, uma questão de troca. Deus quis que o amor presidisse à perpetuidade da Criação; respeitemos os seus desígnios e não violentemos os fluidos. O homem e a mulher estão sujeitos à atração, essa é a lei natural, e quando se tenta resisti-la, paga-se a desobediência com a infelicidade de toda a existência.”

5 — “Peço dizer à Luciene, à Sirlene e à Marise que não as esqueço e que, em minha vida nova, rogo a Jesus conservar as irmãs queridas livres de qualquer sombra ou de qualquer passo infeliz.” — Trata-se de:

a) Sra. Luciene Ferreira Cury, casada com o Sr. Carlos Cury, residentes em Uberlândia, Minas Gerais;

b) Srta. Sirlene Resende Ferreira, residente em Brasília, Distrito Federal;

c) Sra. Marise Ferreira Aguiar, casada com o Sr. Sérgio Marra Aguiar, residentes em Uberlândia.


Concluindo, leitor amigo, edifiquemo-nos com esta mensagem do Espírito de Delphine de Girardin, através do médium Sr. Bertrand, na Sessão Anual Comemorativa dos Mortos ( † ) — Sociedade Espírita de Paris, 1º de Novembro de 1868 —, incluída por Allan Kardec, na Revista Espírita.  n

“O dever da mulher é trazer ao homem todas as consolações e os encorajamentos necessários à sua vida de vicissitudes e penosos trabalhos. A mulher deve ser o sustentáculo, seu guia, o facho que ilumina o seu caminho e deve impedi-lo de falir; se ela faltar à sua missão, será punida; mas se, mau grado o seu devotamento o homem repele os impulsos de seu coração, ela é duplamente recompensada por haver persistido no cumprimento de seus deveres.”


Elias Barbosa



[9] Francisco Cândido Xavier, Elias Barbosa e Vera Cruz (Espírito), Irmã Vera Cruz, IDE, Araras (SP), 2ª edição, outubro / 1980.


[10] Allan Kardec, Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos, Décimo Segundo Ano — 1869, Editora Cultural Espírita Ltda. — EDICEL São Paulo (1967), pp. 209-210.


[11] Allan Kardec, Revista Espírita — Jornal de Estudos Psicológicos, Décimo Primeiro Ano — 1868, EDICEL, São Paulo, 1966, p. 365.


Texto extraído da 7ª edição desse livro.

Abrir