O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Entre a Terra e o Céu — André Luiz


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Valiosos apontamentos

(Sumário)

1. Alcançáramos a orla do mar, em plena noite.

A movimentação da vida espiritual era aí muito intensa.

2 Desencarnados de várias procedências reencontravam amigos que ainda se demoravam na Terra, momentaneamente desligados do corpo pela anestesia do sono. Dentre esses, porém, salientava-se grande número de enfermos.

3 Anciães, mulheres e crianças, em muitos aspectos diferentes, compareciam ali, sustentados pelos braços de entidades numerosas que os assistiam.

Conversações edificantes e lamentos doloridos chegavam até nós.

4 Serviços magnéticos de socorro urgente eram improvisados aqui e além… E o ar, efetivamente, confrontado ao que respirávamos na área da cidade, era muito diverso.

5 Brisas refrescantes sopravam de longe, carreando princípios regeneradores e insuflando em nós delicioso bem estar.

— O oceano é miraculoso reservatório de forças, — elucidou Clarêncio, de maneira expressiva; — até aqui, muitos companheiros de nosso Plano trazem os irmãos doentes, ainda ligados ao corpo da Terra, de modo a receberem refazimento e repouso. Enfermeiros e amigos desencarnados desvelam-se na reconstituição das energias de seus tutelados. 6 Qual acontece na montanha arborizada, a atmosfera marinha permanece impregnada por infinitos recursos de vitalidade da Natureza. O oxigênio sem mácula, casado às emanações do planeta, converte-se em precioso alimento de nossa organização espiritual, principalmente quando ainda nos achamos direta ou indiretamente associados aos fluidos da matéria mais densa.


2. Passávamos agora na vizinhança de uma dama extremamente abatida, quase em decúbito dorsal à frente das águas, recolhendo o auxílio magnético de um benfeitor que se iluminava no serviço e na oração.

2 Clarêncio deixou-nos por momentos, conversou algo com um amigo, a pequena distância, e regressou, informando:

— Trata-se de irmã do nosso círculo pessoal, assediada pelo câncer. Foi retirada do veículo físico, através da hipnose, a fim de obter a assistência que lhe é necessária.

3 — Mas, — objetei, curioso, — esse tipo de tratamento pode sustar o desequilíbrio das células orgânicas? A doente conseguirá curar-se, de modo positivo?

O Ministro sorriu e aclarou:

— Realmente, na obra assistencial dos Espíritos amigos, que interferem nos tecidos sutis da alma, é possível, quando a criatura se desprende parcialmente da carne, a realização de maravilhas. 4 Atuando nos centros do perispírito, por vezes efetuamos alterações profundas na saúde dos pacientes, alterações essas que se fixam no corpo somático, de maneira gradativa. 5 Grandes males são assim corrigidos, enormes renovações são assim realizadas. Mormente quando encontramos o serviço da prece na mente enriquecida pela fé transformadora, facilitando-nos a intervenção pela passividade construtiva do campo em que devemos operar, a tarefa de socorro concretiza verdadeiros milagres. 6 O corpo físico é mantido pelo corpo espiritual a cujos moldes se ajusta e, desse modo, a influência sobre o organismo sutil é decisiva para o envoltório de carne, em que a mente se manifesta.

7 Nesse ponto das explicações, porém, o Ministro abanou a cabeça e ajuntou:

— Nossa ação, contudo, está subordinada à lei que nos rege. No problema de nossa irmã, o concurso de nosso Plano conseguirá tão somente angariar-lhe reconforto. A moléstia, em razão das provas que lhe assinalam o roteiro pessoal, atingiu insopitável extensão.

8 — Quer dizer que ela, agora, apenas se habilita à morte calma? — Indagou Hilário, atencioso.

— Justamente, — confirmou o orientador. — Com a cooperação em curso, despertará no corpo desfalecente mais serena e mais confortada. 9 Repetindo as excursões até aqui, noite a noite, habituar-se-á, com entendimento superior, à ideia da partida, transmitindo aos familiares resignação e coragem para o transe da separação; 10 aprenderá a contribuir com o seu esforço, no sentido de aliviar-lhes as aflições pela humildade que edificará, dentro de si mesma… pouco a pouco; 11 desligar-se-á da carne enfermiça, acentuando a luz interior da própria consciência, a fim de separar-se do ambiente que lhe é caro, como quem encontra na morte física valiosa liberação para serviço mais enobrecido. E, assim, em algumas semanas, mostrar-se-á admiravelmente preparada ante o novo caminho…

12 Clarêncio silenciara.

O assunto requisitava-me a novas observações.

— Nesse caso… — comecei a falar, hesitante.

O Ministro, porém, sorriu compreensivo e atalhou, esclarecendo:

— Já sei a tua conclusão. É isso mesmo. 13 A enfermidade longa é uma bênção desconhecida entre os homens, constitui precioso curso preparatório da alma para a grande libertação. Sem a moléstia dilatada, é muito difícil o êxito rápido no trabalho da morte.


3. Nesse instante, contudo, Zulmira, e Odila chegavam à praia, em sítio não longe de nós.

2 Clarêncio recomendou-nos atenção.

Rodeamo-las, prestamente, qual se fossem irmãs enfermas, sob a nossa guarda.

Nem uma nem outra nos identificavam a presença. Tão pouco pareciam interessadas pelo movimento no logradouro.

3 A primeira esposa de Amaro centralizava o olhar sobre a presa, enquanto que a vítima revelava na expressão facial o intraduzível terror dos que se abeiram do extremo desequilíbrio.

Zulmira ensaiava o gesto de quem se propunha a regressar precipitadamente a casa, mas, contida pela companheira, avançava, entre a aflição e o pavor.

4 E, repetindo as mesmas acusações que já ouvíramos, Odila martelava o cérebro da outra, reiterando, desapiedada:

— Recorda o crime, infeliz! Lembra-te da horrível manhã em que te fizeste assassina! Onde colocaste meu filho? Porque afogaste um inocente?

— Não, Não! — Gritava a pobrezinha dementada, — não fui eu! Juro que não fui eu! Júlio foi tragado pelas ondas…

5 — E porque não velaste pela criança que meu marido levianamente confiou às tuas mãos infiéis? Acaso, não te acusa a própria consciência? Onde situas o senso de mulher? Pagar-me-ás alto preço pelo relaxamento delituoso… Não permitirei que Amaro te ame, alimentarei a antipatia dele contra ti, atormentarei as pessoas que te desejarem socorrer, destruirei a própria casa de que te apossaste e me pertence!… Impostora! Impostora!…

6 — Sim, sim… — concordava Zulmira, terrificada, — não matei, mas não fiz o que me competia para salvá-lo! Perdoa-me! Perdoa-me! Prometo empenhar-me no refazimento da paz de todos… Serei uma escrava de teu marido e restituí-lo-ei aos teus braços; converter-me-ei em serva de tua filhinha, cujos passos orientarei para o bem, mas, por piedade, deixa-me viver! Liberta-me! Compadece-te de mim!…

7 — Nunca! Nunca! — Bradava a interlocutora, friamente, — tua falta é imperdoável. Mataste! Deves confessar o delito perpetrado, à frente da polícia!… Dobrar-te-ei a cerviz! Serás recolhida à penitenciária, para que te mistures às delinquentes de tua laia!…

8 — Não! Não! — Suplicava Zulmira, com sinais comoventes de angústia.

— Se não aniquilaste meu filho, — bradava a outra, cruel, — devolve-o aos meus braços! Devolve-o! Devolve-o!

9 Nesse momento, ambas se achavam à frente de determinada nesga da praia.

Os olhos da pobre obsidiada adquiriram estranho fulgor.

— Foi aqui! — Rugiu a perseguidora, rudemente, — aqui consumaste o sinistro plano de extinção da nossa felicidade…

10 Qual se fora tangida de secretos impulsos, a segunda mulher de Amaro desprendeu-se dos braços que a constringiam e, penetrando as águas, clamava, aflita:

— Júlio! Júlio!…

Odila, no entanto, perturbada e ensandecida, pôs-se-lhe no encalço.

11 Sentindo-lhe a aproximação, Zulmira rodou sobre os calcanhares e disparou de volta ao lar. Acompanhamos as duas, na competição a que se entregavam, sem perdê-las de vista.

Varando a casa, incontinenti, dando a ideia de que o corpo adormecido era poderoso magnete a atraí-la, Zulmira despertou, alagada de suor, conservando no cérebro de carne a impressão de que vagueara em terrível pesadelo.

12 Tentou gritar, mas não conseguiu.

Faleciam-lhe as forças em colapso nervoso, insopitável. A dispneia castigava-a com violência, enquanto as coronárias se mostravam intumescidas.

Clarêncio aproximou-se e aplicou-lhe fluidos salutares e repousantes.

Acalmou-se-lhe o coração, vagarosamente, o campo circulatório tornou à feição normal. Foi então que a desventurada senhora conseguiu gemer, clamando por socorro.


André Luiz


Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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