O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Estante da vida — Irmão X


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Sublime renovação

1 Conta-se que Tiago, filho de Alfeu, o discípulo de Jesus extremamente ligado à Lei Antiga, alguns meses depois da crucificação tomou-se de profunda saudade do Redentor e, suspirando por receber-lhe a visita divina, afastou-se dos companheiros de apostolado, demandando deleitoso retiro, nas adjacências de Nazaré.

2 Ele, que pretendia conciliar os princípios do Cristo com os ensinamentos de Moisés, não tolerava os distúrbios da multidão.

3 Não seria mais justo, — pensava, — aguardar o Senhor na quietude do campo e na bênção da prece?

Por que misturar-se com os gentios irreverentes?

4 Simão e os demais cooperadores haviam permanecido em Jerusalém, confundindo-se com meretrizes e malfeitores.

5 Vira-lhes o sacrifício em favor dos leprosos e dos loucos, das mães desditosas e das crianças abandonadas, mas não desconhecia que, entre os sofredores que os cercavam, surgiam oportunistas e ladrões.

6 Conhecera, de perto, os que iam orar em nome da Boa Nova, com o intuito de roubar e matar. Acompanhara o martírio de muitas jovens da família apostólica miseravelmente traídas por homens de má fé que lhes sufocavam os sonhos, copiando textos do Evangelho renovador. Observara bocas numerosas glorificando o Santo Nome para, em seguida, extorquirem dinheiro aos necessitados, sem que ninguém lhes punisse a desfaçatez.

7 Na grande casa em que se propunha continuar a obra do Cristo, entravam alimentos condenados e pipas de vinho com que se intoxicavam doentes, tanto quanto bêbados e vagabundos que fomentavam a balbúrdia e a perturbação.

8 Desgostoso, queixara-se a Pedro, mas o rijo pescador que lutava na chefia do santuário nascente rogara-lhe serenidade e abnegação.

9 Poderia, contudo, sustentar excessos de tolerância, quando o Senhor lhes recomendara pureza? Em razão disso, crendo guardar-se isento da corrupção, abandonara a grande cidade e confinara-se em ninho agreste na deliciosa planura que se eleva acima do burgo alegre em que Jesus passou a infância.

10 Ali, contemplando a paisagem que se desdobra em perspectiva surpreendente, consolava-se com a visão dos lugares santos a lhe recordarem as tradições patriarcais. Diante dele destacavam-se as linhas notáveis do Carmelo, as montanhas do país de Siquém, o monte Gelboé e a figura dominante do Tabor…

11 Tiago, habituado ao jejum, comprazia-se em prece constante.

Envergando a veste limpa, erguia-se do leito alpestre, cada dia, para meditar as revelações divinas e louvar o Celeste Orientador, aguardando-Lhe a vinda.

12 Extasiava-se, ouvindo as aves cantoras que lhe secundavam as orações, e acariciava, contente, as flores silvestres que lhe balsamizavam o calmoso refúgio.

13 Por mais de duzentos dias demorava-se em semelhante adoração, ansiando ouvir o Salvador, quando, em certo crepúsculo doce e longo, reparou que um ponto minúsculo crescia, em pleno céu.

14 De joelhos, interrompeu a oração e acompanhou a pequenina esfera luminosa, até que a viu transformada na figura de um homem, que avançava em sua direção… Daí a minutos, mal sopitando a emotividade, reconheceu-se à frente do Mestre.

15 Oh! era Ele! A mesma túnica simples, os mesmos cabelos fartos a se Lhe derramarem nos ombros, o mesmo semblante marcado de amor e melancolia…

16 Tiago esperou, mas Jesus, como se lhe não assinalasse a presença, caminhou adiante, deixando-o à retaguarda…

17 O discípulo solitário não suportou semelhante silêncio e, erguendo-se, presto, correu até o Divino Amigo e interpelou-o:

— Senhor, Senhor! Aonde vais?

18 O Messias voltou-se e respondeu, generoso:

— Devo estar ainda hoje em Jerusalém, onde os nossos companheiros necessitam de meu concurso para o trabalho…

19 — E eu, Mestre? — Perguntou o apóstolo, aflito, — acaso não precisarei de Ti no carinho que Te consagro à memória?

20 — Tiago, — disse Jesus, abençoando-o com o olhar, — o soldado que se retira deliberadamente do combate não precisa do suprimento indispensável à extensão da luta… 21 Deixei aos meus discípulos os infortunados da Terra como herança. 22 O Evangelho é a construção sublime da alegria e do amor… E enquanto houver no mundo um só coração desfalecente, o descanso ser-me-á de todo impraticável…

23 — Mas, Senhor, disseste que devíamos conservar a elevação e a pureza.

— Sim, — tornou o Excelso Amigo, — e não te recrimino por guardá-las. Devo apenas dizer-te que é fácil ser santo, à distância dos pecadores.

24 — Não nos classificaste também como sendo a luz do mundo?

O Visitante Divino sorriu triste e falou:

— Entretanto, onde estará o mérito da luz que foge da sombra? Nas trevas da crueldade e da calúnia, da mistificação e da ignorância, do sofrimento e do crime, acenderemos a Glória de Deus, na exaltação do Bem Eterno.

25 Tiago desejaria continuar a sublime conversação, mas a voz extinguiu-se-lhe na garganta, asfixiada de lágrimas; e como quem tinha pressa de chegar ao destino, Jesus afastou-se, após afagar-lhe o rosto em pranto.

26 Na mesma noite, porém, o apóstolo renovado desceu para Nazaré e, durante longas horas, avançou devagar para Jerusalém, parando aqui e ali para essa ou aquela tarefa de caridade e de reconforto. E na ensolarada manhã do sétimo dia da jornada de volta, quando Simão Pedro veio à sala modesta de socorro aos enfermos encontrou Tiago, filho de Alfeu, debruçado sobre velha bacia de barro, lavando um feridento e conversando, bondoso, ao pé dos infelizes.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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