O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

Estante da vida — Irmão X


8


O mensageiro da estrada

1 Mediunidade a serviço dos semelhantes!

Diz você que isso custa caro, e fala em renúncia e problemas pessoais. Mas, esquecer-se-á você dos benefícios que os dotes medianímicos trazem a todos aqueles que os mobilizam na extensão das boas obras? Olvidará quantas vezes a empresa do bem lhe arrebatou o coração às garras do mal? Pense nisso, meu caro missivista, e não atire fora as suas vantagens que superam de muito os obstáculos que, porventura, lhe estorvem a vida.

A esse respeito, conto a você, em versão nova, uma lenda antiga que corre o mundo cristão, desde longo tempo.




2 Certo homem, que se reencarnara a fim de educar-se em duras provas, quais sejam enfermidades, abandono e solidão, montou a choupana que lhe serviria de casa à beira de estrada deserta e poeirenta, a cavaleiro de fundo vale, onde uma fonte permanente mantinha no chão seco larga faixa de verdura.

3 Viajores iam e vinham e, fossem eles ocupantes de carruagens, ou simplesmente pobres romeiros a pé, ei-los que paravam junto ao casebre, contentes e agradecidos por encontrarem, ali, com o homem solitário, uma bênção muito rara na região: a água pura.

4 O ermitão, em demonstrações de bondade incessante, várias vezes, diariamente, descia a encosta agressiva até o manancial e enchia o cântaro, regressando vereda acima, tão só no intuito de oferecer água cristalina aos viajantes diversos.

5 Na faina de auxiliar, entrou em contato com um Espírito angélico a quem o Senhor incumbira de velar por todos os que transitassem pela extensa rodovia, e o eremita, profundamente emocionado e feliz, passou a chamar-lhe Anjo da Estrada.

6 Estabeleceu-se para logo, entre os dois, suave convívio. Nenhum dos passantes lhe via o celestial companheiro; entretanto, para o solitário, aquele benfeitor espiritual se transformara em presença sublime. Se cansado, eis que o Anjo lhe restaurava as energias; se doente, recebia dele o remédio salutar; se triste, recolhia-lhe as exortações confortativas e, quando em dúvida sobre doenças e dificuldades naturais do cotidiano, tomava-lhe as sugestões tocadas de amor.

7 O Amigo do Céu descia com ele até à fonte, tantas vezes quantas fossem necessárias, ajudava-o a transportar o grande vaso cheio, narrava-lhe histórias das Mansões Divinas, recobria-lhe a alma de tranquilidade e júbilo sereno.

8 O tempo rolou e trinta anos dobaram sobre aquela amizade entre duas criaturas domiciliadas em mundos diferentes.

9 A estrada era sempre uma estalagem da Natureza, albergando viajores que se renovavam constantemente, mas o ermitão, conquanto satisfeito, mostrava agora a cabeleira branca e os ombros caídos.

10 Certa feita, um homem prático, de passagem pelo lugar, em lhe enxergando a cabeça vergada ao peso do cântaro bojudo, observou-lhe, conselheiral:

— Amigo, porque um sacrifício assim tão grande? Não seria melhor e mais justo transferir a casa para a fonte, ao invés de buscar a fonte para casa?

11 O doador de água estremeceu de alegria. Como não pensara nisso antes? Da ideia à realização mediaram poucos dias… No entanto, em carregando o velho material da velha choça para a reentrância do vale, ei-lo que vê o amigo angélico em lágrimas copiosas..

— Anjo bom, porque choras?

12 E a resposta veio célere:

— Pois, então, não percebes? Concedeu-me o Senhor a tarefa de proteger as vidas de quantos se arriscam na estrada… Enquanto lá te achavas, oferecendo água límpida aos que viajam com sede, tinha eu a permissão de trocar contigo as bênçãos da amizade. Mas agora… Se preferes o menor esforço, é forçoso que eu me resigne a distância de ti, esperando que alguém se decida a cooperar comigo, junto dos viajores que me cabe amparar na condição de zelador do caminho…

13 O eremita não hesitou. Suspendeu a mudança, tornou ao lugar primitivo, retomou a sua venturosa paz de espírito ao pé da multidão anônima a que prestava serviço, e preferiu trabalhar e ser feliz, em companhia do mensageiro celeste, com quem partiu para o Mais Além, no dia em que lhe surgiu a morte do corpo.




14 Como é fácil de ajuizar e de ver, meu caro amigo, abençoe a sua possibilidade de dessedentar os peregrinos da romagem terrestre com as águas puras de fé viva, esclarecimento, pacificação e consolo, sem se fixar nos eventuais sacrifícios que isso lhe custe. Você compreenderá, um dia, que vale muito mais livrar-se alguém de aflições e tentações, junto dos Espíritos Benevolentes e Amigos, que viver à conta de nossas próprias imperfeições das existências passadas, e que é muito melhor desencarnar sofrendo, mas servindo ao próximo, em favor da própria libertação espiritual, que ter de acompanhar o desgaste repelente do corpo, a pouco e pouco, em facilidade e descanso, para afundar, de novo, no momento da morte, na corrente profunda de nossas paixões e desequilíbrios.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

Abrir