O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão
Doutrina espírita - 2ª parte.

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Contos e apólogos — Irmão X


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A escolha do Senhor

1 Conta-se que alguns apóstolos do bem tanto se ergueram na virtude que, pela extrema sublimação de suas almas, conseguiram atingir o limiar do Santuário Resplendente do Cristo.

2 Voltariam ao mundo, no prosseguimento da obra de amor em que se entrosavam, no entanto, convocados pelos poderes angélicos, poderiam excursionar felizes pelas vizinhanças do Lar Divino.

3 Bem-aventurados pela glória e pela bondade, constituíam provisoriamente no Céu toda uma assembleia de beleza e sabedoria.

4 Missionários ocidentais ostentavam dalmáticas imponentes, lembrando as instituições religiosas a que haviam pertencido, enquanto que os santos do Oriente exibiam túnicas liriais. Veneráveis sacerdotes das igrejas católicas e protestantes confundiam-se com patriarcas judeus e budistas. Admiráveis seguidores de Confúcio e insignes devotos de Maomé entendiam-se uns com os outros.

5 Muito acima das interpretações humanas, tendentes à discórdia, alcançavam, enfim, a suprema união na esfera dos princípios.

6 Exornava-se cada um com a mensagem simbólica dos templos que haviam representado. Anéis, cruzes, báculos, auréolas, colares, medalhas e outras insígnias preciosas destacavam-se do linho e da púrpura, da seda e do ouro, faiscando ao sol em que se banhavam.

7 Entretanto, um deles destoava do brilhante conjunto.

Era um antigo servidor do deserto que não se filiara a igreja alguma. Ibraim Al-Mandeb fora apenas devotado irmão dos infelizes que vagueavam nas planícies arenosas da Arábia.

8 Não possuía qualquer sinal que o recomendasse ao respeito e à consideração. Trazia os pés descalços, em chaga e pó. Na veste rota, mostrava as manchas sanguinolentas das crianças feridas que havia conchegado de encontro ao peito. As mãos magras e hirsutas pareciam forradas em couro de camelo, tão calejadas se achavam no rude trabalho de assistência aos viajantes perdidos. Os cabelos grisalhos e imundos falavam de longas peregrinações sob a tempestade, e o rosto enrugado e rijo era a pesada moldura de dois olhos belos e lúcidos, mas encovados e tristes, guardando pavorosas visões das dores alheias que ele havia socorrido, abnegado e atento.

9 Isolado no festim, o ancião notou que dois anjos examinavam a assembleia, fazendo anotações num pergaminho celestial.

10 Depois de analisarem todos os circunstantes, um por um, abeiraram-se dele, estranhando-lhe a desagradável presença.

11 — Amigo, — interrogou um dos emissários, — a que igreja pertenceste na Terra?

— Para que a pergunta? — Inquiriu o forasteiro com humildade.

12 — O Senhor deseja entender-se com um dos visitantes do Lar Divino e estamos relacionando, por ordem, os nomes daqueles que mais profundamente o amaram no mundo…

— Não se preocupem então comigo! — Clamou o anônimo beduíno. — Nunca pude consagrar-me ao culto do Senhor e sinceramente ignoro por que razão fui guindado até aqui, quando não posso ter lugar entre os eleitos da fé.

13 — Que fizeste entre os homens?

— Que o Senhor me perdoe a ingratidão e a dureza, — suspirou o velhinho, — mas o sofrimento de meus irmãos não me deu oportunidade de pensar nele… Nunca pude refletir na sublimidade do Paraíso, porque o deserto estava cheio de aflição e lágrimas!…

14 Vendo que o estranho peregrino prorrompera em pranto, o anjo que se mantivera silencioso opinou, compreensivo:

— Em verdade, não podemos situar-te na relação dos que amaram o Benfeitor Eterno, mas colocaremos teu nome no pergaminho, como alguém que amou imensamente os semelhantes.

15 O ancião, mergulhando a cabeça nas mãos ossudas, soluçou reconhecido, enquanto os companheiros presentes comentavam o estranho procedimento daquele que fizera bem sem se lembrar sequer da existência de Deus.

16 Contudo, depois de longos minutos de expectação, vasto grupo de mensageiros divinos penetrou o átrio engalanado de flores, em cânticos de júbilo, trazendo larga faixa com um nome grafado em caracteres de luz.

Era o nome do velho Ibraim Al-Mandeb.

Pretendia o Senhor conversar com ele.


Irmão X

(Humberto de Campos)

Texto extraído da 1ª edição desse livro.

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