O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

Índice | Página inicial | Continuar

Revista espírita — Ano XII — Junho de 1869.

(Idioma francês)

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS.


A doutrina da vida eterna das almas e da reencarnação.

Ensinada há quarenta anos por um dos mais ilustres sábios do nosso século.
(Sumário)

1. — Temos o prazer de anunciar aos nossos irmãos em doutrina que a tradução francesa de uma obra muito interessante de Sir Humphry Davy, pelo Sr. Camille Flammarion, já está no prelo e será publicada dentro de um mês.

Sir Humphry Davy, o célebre químico ao qual se deve a fecunda teoria da química moderna, que substituiu a de Lavoisier, a descoberta do cloro, a do iodo, a decomposição da água pela eletricidade, a lâmpada dos mineiros, etc., Sir Humphry Davy, o sábio professor do Instituto Real de Londres, presidente da Sociedade Real da Inglaterra,  †  membro do Instituto de França  †  – e maior ainda por seus imensos trabalhos científicos do que por seus títulos – escreveu, antes de 1830, um livro que o próprio Cuvier qualificou de sublime, mas que é quase completamente desconhecido na França, e que tem por título: “The Last Days of a Philosopher - Google books; ou seja, “Os Últimos Dias de um Filósofo”.

Esta obra começa por uma visão no Coliseu de Roma.  †  O autor, solitário em meio às ruínas, é transportado por um Espírito, que escuta sem o ver, ao mundo de Saturno e em seguida aos cometas. O Espírito lhe expõe que as almas foram criadas na origem dos tempos, livres e independentes; que seu destino é progredir sempre; que reencarnam em diferentes mundos; que nossa vida atual é uma vida de provas, etc.; numa palavra, as verdades que atualmente constituem a base da doutrina filosófica do Espiritismo.

Diversas questões de Ciência, de História, de Filosofia e de Religião compõem, ao mesmo tempo, esta obra admirável.

O Sr. Camille Flammarion tinha empreendido a sua tradução há dois anos, e sabemos que o Sr. Allan Kardec pressionava o jovem astrônomo para a terminar.

Quisemos dar a conhecer esta boa-nova, antes mesmo da publicação da obra. Em nosso próximo número esperamos poder anunciar definitivamente essa publicação, já impressa pela metade (em formato popular), e ao mesmo tempo fazer uma sinopse desta interessante tradução.


[Revista de julho.]

2 Os últimos dias de um filósofo.

Entrevistas sobre as ciências, a natureza e a alma.
Por Sir Humphry Davy. n

Obra traduzida do inglês e anotada por Camille Flammarion.

(Segundo artigo. – Vide a Revista de junho de 1869.)

Como era nosso desejo, podemos anunciar hoje o aparecimento desta tradução tão longamente elaborada. Já fizemos notar no último número da Revista que esta obra, escrita nos últimos anos de sua vida por um dos maiores químicos do mundo, expôs ao livre-exame dos pensadores de quarenta anos atrás – 1829 – as teorias sobre as quais hoje se apoia a Doutrina Espírita, isto é, a pluralidade dos mundos habitados, a pluralidade das existências da alma, a reencarnação (na Terra e em outros planetas), a comunicação com os Espíritos através dos sonhos e dos pressentimentos, e até a teoria do perispírito.

A tradução do Sr. Flammarion aparece hoje, ao mesmo tempo que a Revista. Logo esta obra estará nas mãos de todos os nossos leitores. Aliás, sua leitura será tanto mais instrutiva quanto o autor passa em revista os principais temas da ciência moderna e os grandes feitos da história da Humanidade, e que o tradutor teve o cuidado de completar por meio de notas sobre os progressos posteriormente realizados pela Ciência. O livro se divide em seis diálogos, que têm por títulos: a Visão, – a Religião, – o Desconhecido, – a Imortalidade, – a Filosofia da Química, – e o Tempo. Anunciando esta excelente obra, julgamos por bem extrair algumas de suas passagens, que darão uma justa ideia das opiniões filosóficas do ilustre químico inglês.

O primeiro diálogo, a Visão, cuja cena se passa no Coliseu de Roma, tem por objeto uma viagem aos planetas, sob a condução de um Espírito, que Sir Humphry Davy escuta sem o ver. O Espírito faz aparecer o quadro das fases primitivas da Humanidade, e em seguida dirige a seguinte pergunta ao autor:


“Tu vais dizer-me: “O Espírito é gerado? A alma é criada com o corpo?” Ou isto: “A faculdade mental é o resultado da matéria organizada e um novo aperfeiçoamento dado à máquina, que provoca o movimento e o pensamento?”

“Depois de ter posto esta pergunta em minha cabeça, como se eu mesmo tivesse tido a intenção de lha dirigir, diz Davy, meu Gênio desconhecido modificou a inflexão de sua voz que, em vez de sua melodiosa doçura, tomou um timbre sonoro e majestoso. Eu vos proclamo, disse-me ele, que nem uma nem outra dessas visões são verdadeiras. Minha intenção é vos revelar os mistérios das naturezas espirituais; mas é de temer que, velado como sois pelos sentidos corporais, esses mistérios não vos possam ser compreensíveis.

“As almas são eternas e indivisíveis, mas suas maneiras de ser são tão infinitamente variadas quanto as formas da matéria. Elas nada têm de comum com o espaço e, em suas transições, são independentes do tempo, de sorte que podem passar de uma parte a outra do Universo, por leis completamente estranhas ao movimento. As almas são seres intelectuais de diversos graus, pertencendo de fato ao Espírito infinito. Nos sistemas planetários (de um dos quais depende o globo que habitas) elas se encontram transitoriamente num estado de provação, tendendo constantemente e, em geral, gravitando sem cessar para um modo de existência mais elevado.

“Se me fosse possível estender tua visão até os destinos das existências individuais, eu te poderia mostrar como o mesmo Espírito, que no corpo de Sócrates desenvolveu os fundamentos das virtudes morais e sociais, no corpo do czar Pedro foi dotado do poder supremo, gozando da incomparável felicidade de melhorar um povo grosseiro. Eu te poderia mostrar a mônada espiritual que, com os órgãos de Newton, deixou ver uma inteligência quase sobre-humana, situada agora num maior e mais elevado estado de existência planetária, haurindo a luz intelectual de uma fonte mais pura e se aproximando ainda mais do Espírito infinito e divino. Prepara, pois, o teu pensamento e pressentirás ao menos esse estado superior e esplêndido, no qual vivem desde sua morte os seres que já revelaram uma alta inteligência na Terra, e que se elevam em suas transições a naturezas novas e mais celestes.'

Aqui, Sir Humphry, transportado pelo Espírito através do nosso sistema planetário, faz uma descrição das mais interessantes do espetáculo que se descortina aos seus olhos e, em particular, o mundo de Saturno. – A falta de espaço nos obriga a passar em silêncio. – Sir Humphry Davy considerava com admiração o aspecto estranho dos seres que tinha sob os olhos, quando o Espírito replicou:

“Sei quais as reflexões que te agitam. A analogia te faz falta aqui e não dispões dos elementos do saber para compreenderes a cena que se desdobra à tua frente. No momento te encontras na condição de uma mosca, cujo olho múltiplo fosse subitamente metamorfoseado num olho semelhante ao do homem, e és completamente incapaz de pôr o que vês em relação com os teus conhecimentos normais anteriores. Pois bem, esses seres que estão diante de ti são os habitantes de Saturno. Eles vivem na atmosfera. Seu grau de sensibilidade e de felicidade intelectual ultrapassa de muito o dos habitantes da Terra. São dotados de numerosos sentidos, de meios de percepção cuja ação és incapaz de apreender. Sua esfera de visão é muito mais extensa que a tua, e seus órgãos do tato são incomparavelmente mais delicados e mais finamente aperfeiçoados. É inútil que eu tente explicar-te a sua organização, pois evidentemente não a poderias conceber; quanto às suas ocupações intelectuais, tentarei dar-te alguma ideia.

“Eles subjugaram, modificaram e aplicaram as forças físicas da Natureza, de maneira análoga à que caracteriza a obra industrial do homem terrestre; mas, gozando de poderes superiores, conseguiram resultados igualmente superiores. Sendo a sua atmosfera muito mais densa que a vossa, e menor o peso específico de seu planeta, eles foram capazes de determinar as leis que pertencem ao sistema solar com muito mais precisão do que vos seria possível dar desse conhecimento; e o primeiro deles que chegasse poderia anunciar-te quais são, nesse mundo, a posição e o aspecto da vossa Lua, com tal precisão que te convencerias de que ele a vê, ao passo que o seu conhecimento não passa do resultado de um cálculo.

“Eles não têm guerras e só ambicionam a grandeza intelectual; não experimentam nenhuma de vossas paixões, senão um grande sentimento de emulação no amor da glória. Se eu pudesse mostrar-te as diversas partes da superfície deste planeta, apreciarias os resultados maravilhosos do poder de que são dotadas essas altas inteligências, e a maneira admirável pela qual puderam aplicar e modificar a matéria.

“Eu te poderia transportar agora para outros planetas e te mostrar seres particulares em cada um deles, oferecendo certas analogias uns com os outros, mas diferindo essencialmente em suas faculdades características.

“Em Júpiter verias criaturas semelhantes às que acabas de observar em Saturno, mas munidas de meios de locomoção bem diversos. Nos mundos de Marte e de Vênus encontrarias raças cujas formas se aproximam mais das que existem na Terra; mas, em cada parte do sistema planetário, existe um caráter especial a todas as naturezas intelectuais: é o sentido da visão, a faculdade orgânica de receber as impressões da luz.

“Os mais perfeitos sistemas organizados, mesmo nas outras partes do Universo, possuem ainda esta fonte de sensibilidade e de prazer; mas os seus organismos, de uma sutileza inconcebível para vós, são formados de fluidos tão elevados, acima da ideia geral que fazeis da matéria, quanto os gases mais sutis, que teus estudos te mostraram, estão acima dos mais pesados sólidos terrestres.

“O grande Universo é ocupado em toda parte pela vida; mas o modo de manifestação dessa vida é infinitamente diversificado, e é preciso que as formas possíveis, em número infinito, sejam revestidas pelas naturezas espirituais antes da consumação de todas as coisas.

“O cometa, desaparecendo nos céus com o seu rastilho luminoso, já se mostrou ao teu olhar. Pois bem! esses mundos singulares são também a morada dos seres vivos, que haurem os elementos e as alegrias de sua existência na diversidade das circunstâncias a que são expostos; atravessam, por assim dizer, o espaço infinito; deleitam-se continuamente ante a visão de mundos e sistemas novos. Imagina, se puderes, a vastidão incomensurável de seus conhecimentos!

“Esses seres, de tal modo grandes e gloriosos, dotados de funções que te são incompreensíveis, outrora pertenceram à Terra; suas naturezas espirituais, elevadas em diferentes graus da vida planetária, despojaram-se de sua poeira e não levaram consigo senão a pujança intelectual. Habitam atualmente esses astros gloriosos, que se põem em relação com as inúmeras regiões do grande Universo.

“Perguntas-me em espírito se eles têm algum conhecimento ou lembrança de suas transmigrações? Conta-me tuas próprias recordações no seio de tua mãe e te darei minha resposta…

“Aprende, pois, a lei da sabedoria suprema: Nenhum Espírito traz a outro estado de existência hábitos ou qualidades mentais diversas das que estão em relação com a sua nova situação. O saber relativo à Terra também não seria útil a esses seres glorificados, como não o seria a sua poeira terrestre organizada, a qual, em temperatura semelhante, seria reduzida ao seu último átomo. Mesmo na Terra, a borboleta esvoaçante não traz consigo os órgãos ou os apetites da lagarta rasteira da qual surgiu. Todavia, há um sentimento, uma paixão, que a mônada ou essência espiritual conserva sempre em todos os estágios de sua existência, e que nos seres felizes e elevados, aumenta perpetuamente: é o amor do .caber, esta faculdade intelectual que, em seu último e mais perfeito desenvolvimento, se transforma no amor da sabedoria infinita e na união com Deus. Eis a grande condição do progresso da alma em suas transmigrações na vida eterna.

“Mesmo na vida imperfeita da Terra, esta paixão existe nalgum grau; aumenta com a idade, sobrevive ao aperfeiçoamento das faculdades corporais e, no momento da morte, se conserva no ser consciente. O destino futuro do ser depende da maneira pela qual essa paixão intelectual foi exercida e aumentada durante sua prova terrestre transitória. Se foi mal aplicada, o ser é degradado e continua a pertencer à Terra ou a qualquer sistema inferior, até que seus defeitos sejam corrigidos pelas provas penosas de existências novas. (Somos o que fazemos de nós mesmos). Ao contrário, quando o amor da perfeição intelectual é exercido sobre objetivos nobres, na contemplação e na descoberta das propriedades das formas criadas, quando o Espírito se esforçou por aplicar a seus estudos um fim útil e benfazejo para a Humanidade, bem como ao conhecimento das leis ordenadas pela inteligência suprema, o destino do princípio pensante continua a efetuar-se na ordem ascendente e sobe a um mundo planetário superior.”

Eis algumas de suas elevadas concepções sobre a natureza da alma:

“Em última análise, para nós o mundo externo ou material não passa de um amontoado de sensações Remontando às primeiras lembranças de nossa existência, encontramos um princípio constantemente presente, que se pode chamar mônada, ou eu, que se associa intimamente com as sensações particulares produzidas pelos nossos órgãos. Esses órgãos estão em relação com sensações de outro gênero e, a bem dizer, os acompanham através das metamorfoses corporais de nossa existência, deixando temporariamente uma linha de sensação que as une todas; mas a mônada jamais se ausenta, e não poderíamos assinalar nem começo, nem fim às suas operações. Durante o sono, por vezes se perde o começo e o fim de um sonho, mas nos lembramos do meio. Um sonho não tem a menor relação com outro e, contudo, temos consciência de uma variedade infinita de sonhos que se sucederam, embora na maior parte do tempo não encontremos o seu fio, já que há entre eles diversidades e lacunas aparentes.

“Temos as mesmas analogias para crermos numa infinidade de existências anteriores, que entre si devem ter tido misteriosas relações. A existência humana pode ser encarada como o tipo de uma vida infinita e imortal, e sua composição sucessiva de sonos e de sonhos poderia certamente nos oferecer uma imagem aproximada da sucessão de nascimentos e de mortes de que é composta a vida eterna. Não se pode mais negar que as nossas ideias provêm das sensações devidas aos nossos órgãos, como não se nega a relação que existe entre as verdades matemáticas e as fórmulas que as demonstram. Todavia, por si mesmos esses sinais não são fatos, assim como os órgãos não são o pensamento.

“A história inteira da alma apresenta o quadro de um desenvolvimento efetuado segundo uma certa lei; conservamos apenas a lembrança das mudanças que nos foram úteis. A criança esqueceu o que fazia no seio da mãe; logo não mais se lembrará dos sofrimentos e dos folguedos que constituíram os seus dois primeiros anos. Entretanto, vemos que alguns hábitos desta idade subsistem em nós durante a vida inteira; é com o auxílio dos órgãos materiais que o princípio pensante compõe o tesouro de seus pensamentos e as sensações de modificação com a transformação dos órgãos. Na velhice, o espírito embotado cai numa espécie de sono, donde despertará para uma nova existência.”

Não podendo pôr sob os olhos dos nossos leitores senão alguns breves fragmentos desta interessante publicação, terminaremos por uma teoria do perispírito, que se diria extraída das obras espíritas modernas. Eis em que termos se exprime Sir Humphry Davy, no diálogo Imortalidade, pág. 275 e seguintes:

“Tentar explicar de que maneira o corpo está unido ao pensamento, seria pura perda de tempo. Evidentemente, os nervos e o cérebro aí estão em íntima ligação; mas, em que relação? Eis o que é impossível definir. A julgar pela rapidez e pela variedade infinita dos fenômenos da percepção, parece extremamente provável que há no cérebro e nos nervos uma substância infinitamente mais sutil do que permitiram descobrir a observação e a experiência. Assim, pode-se supor que a união imediata do corpo com a alma, da matéria com o espírito se dá por intermédio de um corpo fluídico invisível, de uma espécie de elemento etéreo inacessível para os nossos sentidos, e que talvez represente para o calor, para a luz e para eletricidade o que estes representam para o gás. O movimento é produzido mais facilmente pela matéria rarefeita, e todos sabem que agentes imponderáveis, tais como a eletricidade, derrubam as mais fortes construções. Não me parece improvável que alguma coisa do mecanismo refinado e indestrutível da faculdade pensante, adira, mesmo após a morte, ao princípio sensitivo. Porque, malgrado à destruição pela morte dos órgãos materiais, como os nervos e o cérebro, sem dúvida a alma pode conservar, indestrutivelmente, algo dessa natureza mais etérea. Às vezes eu penso que as faculdades chamadas instintivas pertencem a esta natureza requintada. A consciência parece ter uma fonte inacessível e permanecer em relação oculta com uma existência anterior.”


Estas as passagens que quisemos assinalar aos nossos leitores. Sir Humphry Davy foi um dos grandes apóstolos do progresso. O Espiritismo não poderia ter melhores auxiliares do que no testemunho indireto desses sábios ilustres que, pelo estudo da Natureza, chegaram à descoberta de novas verdades. Tais obras devem fazer parte, merecidamente, da biblioteca do Espiritismo, e devemos ser gratos ao Sr. Camille Flammarion por se ter imposto a tarefa de traduzir e anotar a obra notável de Sir Humphry Davy.


[A. DESLIENS.]



[1] Um vol. in-12. Preço: 3 fr. 50. Paris, 1869, Didier, e na Livraria Espírita, 7, rue de Lille. †  [Les derniers jours d’un philosophe - Google books.]


Abrir