O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano X — Abril de 1867.

(Idioma francês)

MANIFESTAÇÕES ESPONTÂNEAS.


O moinho de Vicq-sur-Nahon.

(Sumário)

1. — Sob o título de O diabo do moinho, o Moniteur de l’Indre de fevereiro de 1867 contém o seguinte relato:


“O Sr. François Garnier é fazendeiro e moendeiro no burgo de Vicq-sur-Nahon.  †  É, gostamos de pensar, um homem pacífico e, contudo, desde o mês de setembro, seu moinho é teatro de fatos miraculosos, próprios a fazer supor que o diabo, ou pelo menos um Espírito brincalhão, ali elegeu o seu domicílio. Por exemplo, parece fora de dúvida que, diabo ou Espírito, o autor dos fatos que vamos narrar gosta de dormir à noite, porque só trabalha de dia.

“Nosso Espírito gosta de fazer malabarismos com as cobertas das camas. Toma-as sem que ninguém o perceba, leva-as e vai escondê-las, ora nas vigas do teto, ora no forno, ora sob montes de feno. Transporta de uma cavalariça para a outra os lençóis da cama do rapaz, e mais de uma hora depois são encontrados sob o feno ou nas grades da manjedoura. Para abrir as portas, o Espírito Vicq-sur-Nahon não precisa de chave. Um dia o Sr. Garnier, em presença de seus empregados, fechou com duas voltas a porta da padaria e pôs a chave no bolso; mesmo assim, a porta abriu-se quase imediatamente, aos olhos de Garnier e dos criados, sem que pudessem explicar como.

“Outra vez, a 1º de janeiro — maneira inteiramente nova de fazer votos de feliz ano-novo a alguém — um pouco antes da noite, o leito de penas, os lençóis, os cobertores de uma cama situada num quarto são levantados sem que a cama se desarrume e encontram esses objetos no chão, perto da porta do quarto. Garnier e os seus imaginam, então, na esperança de conjurar toda esta feitiçaria, mudar as camas de quarto, o que de fato ocorre; mas, feita a troca, os fatos diabólicos que acabamos de contar recomeçam com mais intensidade. Por diversas vezes, um rapaz da cavalariça encontra aberta sua arca, onde guarda seus objetos pessoais, e estes espalhados na cocheira.

“Mas eis duas circunstâncias em que se revela toda a diabólica habilidade do Espírito. No número dos domésticos do Sr. Garnier encontra-se uma mocinha de 13 anos, chamada Marie Richard. Um dia, estando esta menina num quarto, de repente viu surgir sobre o leito uma pequena capela, e todos os objetos colocados sobre a chaminé, 4 vasos, 1 Cristo, 3 copos, 2 xícaras, numa das quais havia água-benta, e uma pequena garrafa também cheia de água-benta, ir sucessivamente, como se obedecesse à ordem de um ser invisível, tomar lugar sobre o altar improvisado. A porta do quarto estava entreaberta, e a mulher do irmão da pequena Richard, perto da porta. Uma sombra saiu da capela, no dizer da pequena Richard, aproximou-se dela e a encarregou de convidar os donos a dar um pão bento e mandar dizer uma missa. A menina promete; durante nove dias reina a calma no moinho. Garnier manda rezar a missa pelo cura de Vicq, oferece um pão bento e a partir do dia seguinte, 15 de janeiro, as diabruras recomeçam.

“As chaves das portas desaparecem; as portas, deixadas abertas, aparecem fechadas; um serralheiro, chamado para abrir a porta do moinho, não o consegue e se vê na necessidade de desmontar a fechadura. Estes últimos fatos se passavam a 29 de janeiro. No mesmo dia, por volta do meio-dia, quando os empregados tomavam sua refeição, a menina Richard toma um cântaro de bebida, serve-se, e o relógio do Sr. Garnier, pendurado a um prego na chaminé, cai em seu copo. Repõem o relógio na chaminé; mas a menina Richard, tomando um prato servido sobre a mesa, traz o relógio com sua colher. Pela terceira vez penduram o relógio em seu lugar e, pela terceira vez, a pequena Richard o encontra numa panela que fervia ao fogo, assim como uma garrafinha de remédio, cuja rolha lhe salta ao rosto.

“Em suma, o terror se apodera dos habitantes do moinho; ninguém mais quer ficar numa casa enfeitiçada. Por fim Garnier toma o partido de prevenir o Sr. comissário de polícia de Valençay,  †  que se dirige a Vicq, acompanhado de dois guardas. Mas o diabo não quis mostrar-se aos agentes da autoridade. Apenas estes aconselharam Garnier que despedisse a mocinha Richard, o que logo fez. Esta medida terá bastado para pôr o diabo em debandada? Esperemo-lo, para tranquilidade da gente do moinho.”


Num número posterior, o Moniteur de l’Indre contém o que segue:

“Contamos, no devido tempo, todas as diabruras que se passaram no moinho de Vicq-sur-Nahon, cujo locatário é o Sr. Garnier. Até agora cômicas, essas diabruras começam a virar tragédia. Depois das farsas, dos malabarismos, das prestidigitações, eis que o diabo recorre ao incêndio.

“No dia 12 deste mês ocorreram duas tentativas de incêndio, quase que simultaneamente, nas cavalariças do Sr. Garnier. A primeira aconteceu pelas cinco horas da tarde. O fogo tomou a palha, ao pé da cama dos rapazes moendeiros. O segundo incêndio surgiu cerca de uma hora depois, mas em outra estrebaria. O fogo surgiu igualmente ao pé de uma cama e na palha.

“Felizmente esses dois incêndios foram extintos pelo pai de Garnier, de oitenta anos, e seus empregados, prevenidos pela citada Marie Richard.

“Nossos leitores devem lembrar-se de que essa mocinha de quatorze anos, era sempre a primeira que percebia as feitiçarias que ocorriam no moinho, não obstante, seguindo os conselhos que lhe tinham sido dados, Garnier houvesse despedido a pequena Richard. Quando os dois incêndios surgiram, essa jovem tinha voltado há quinze dias à casa do Sr. Garnier. Foi ela ainda a primeira a notar os dois incêndios de 12 de março.

“Conforme as pesquisas feitas no moinho, as suspeitas caíram sobre duas empregadas.

“A família Garnier está de tal modo chocada com os acontecimentos de que seu moinho foi teatro, que se persuadiu de que o diabo, ou pelo menos algum Espírito malfazejo, fixou domicílio em sua morada.”


2. — Um dos nossos amigos escreveu ao Sr. Garnier, pedindo que lhe informasse se eram reais ou contos para divertir, os fatos relatados no jornal e, em todo o caso, o que podia haver de verdadeiro ou de exagerado na história.

O Sr. Garnier respondeu que tudo era perfeitamente exato e conforme à declaração que ele próprio havia feito ao comissário de polícia de Valençay. Confirma, também, os dois incêndios e acrescenta: O jornal nem contou tudo. De acordo com sua carta, os fatos se produziam há quatro ou cinco meses, e se viu forçado a fazer a declaração porque não conseguiu descobrir o autor. Termina dizendo: “Não sei, senhor, com que propósito me pedis estas informações; mas se tiverdes algum conhecimento dessas coisas, peço-vos participar de minhas penas, pois vos asseguro que não estamos à vontade em nossa casa. Se puderdes encontrar um meio de descobrir o autor de todos esses fatos escandalosos, prestar-nos-eis um grande serviço.”

Um ponto importante a esclarecer era saber qual podia ser a participação da mocinha, seja voluntariamente por malícia, seja inconscientemente por sua influência. Sobre esta questão, o Sr. Garnier disse que a jovem, só tendo estado ausente da casa durante quinze dias, não tinha podido julgar o efeito de sua ausência; mas que não lhe tem nenhuma suspeita, como malevolência, nem sobre os outros empregados; que quase sempre ela tinha anunciado o que se passava fora de seu alcance; que, assim, dissera várias vezes: “Eis a cama que se desarruma em tal quarto” e que, aí entrando sem a perder de vista, encontravam o leito desarrumado; que também preveniu os dois incêndios, ocorridos depois de sua volta.

Como se vê, esses fatos pertencem ao mesmo gênero de fenômenos dos de Poitiers (Revista de fevereiro e março de 1864; dem, maio de 1865); de Marselha (abril de 1865); de Dieppe (março de 1860), e tantos outros que podem ser chamados manifestações barulhentas e perturbadoras.

De início faremos notar a diferença que existe entre o tom deste relato e o do jornal de Poitiers, por ocasião do que se passou naquela cidade. Lembre-se o dilúvio de sarcasmos que, a respeito, fizeram chover sobre os espíritas, e sua persistência em sustentar, contra a evidência, o que só podia ser obra de gracejadores de mau gosto, que não tardariam a ser descobertos, mas que, em definitivo, jamais descobriram. O Moniteur de l’Indre, mais prudente, limita-se a um relato, que não é temperado por nenhuma troça descabida, e que antes implica uma afirmação que uma negação.

Uma outra observação é que fatos deste gênero ocorreram muito antes que se cogitasse do Espiritismo e que, desde então, quase sempre se passaram entre pessoas que não o conheciam nem de nome, o que exclui qualquer influência devida à crença e à imaginação. Se acusassem os espíritas de simular essas manifestações com vistas à propaganda, perguntar-se-ia quem os poderia produzir antes que houvesse espíritas.

Não conhecendo o que se passou no moinho de Vicq-sur-Nahon senão pelo relato que fizeram, limitamo-nos a constatar que aqui nada se afasta daquilo cuja possibilidade o Espiritismo admite, nem das condições normais nas quais semelhantes fatos podem produzir-se; que esses fatos se explicam por leis perfeitamente naturais e, por conseguinte, nada têm de maravilhoso. Só a ignorância dessas leis pôde, até hoje, fazer que fossem consideradas como efeitos sobrenaturais, como tem ocorrido com quase todos os fenômenos cujas leis mais tarde a Ciência revelou.

O que pode parecer mais extraordinário, e se explica menos facilmente é o fato das portas abertas, depois de cuidadosamente fechadas a chave. As manifestações modernas disto oferecem vários exemplos. Um fato análogo passou-se em Limoges,  †  há alguns anos (Revista de agosto de 1860). Mesmo que o estado de nossos conhecimentos ainda não nos permita dar-lhe uma explicação concludente, isto nada prejulga, porque estamos longe de conhecer todas as leis que regem o mundo invisível, todas as forças que encerra este mundo, nem todas as aplicações das leis que conhecemos. O Espiritismo ainda não disse a última palavra; longe disso: nem sobre as coisas físicas, nem sobre as coisas espirituais. Muitas das descobertas serão fruto de observações ulteriores. De certo modo o Espiritismo não fez, até agora, senão fincar as primeiras balizas de uma ciência cujo alcance é desconhecido. Com o auxílio do que já descobriu, abre aos que vierem depois de nós, o caminho das investigações numa ordem especial de ideias. Só procede por observações e deduções, e jamais por suposição. Se um fato é constatado, diz-se que deve ter uma causa e que esta causa só pode ser natural; então ele a procura. Em falta de uma demonstração categórica, pode dar uma hipótese, mas até que seja confirmada, não a dá senão como hipótese, e não como verdade absoluta. Em relação ao fenômeno das portas abertas, como ao dos transportes através de corpos rígidos, ainda está reduzido a uma hipótese, baseada nas propriedades fluídicas da matéria, muito imperfeitamente conhecidas, ou, melhor dizendo, apenas suspeitadas. Se o fato em questão for confirmado pela experiência, deve ter, como dissemos, uma causa natural; se se repetir, não é uma exceção, mas a consequência de uma lei. A possibilidade da libertação de São Pedro de sua prisão, referida nos Atos dos Apóstolos, capítulo 12, seria assim demonstrada sem que houvesse necessidade de recorrer ao milagre.

De todos os efeitos mediúnicos, as manifestações físicas são as mais fáceis de simular. Por isso, deve-se evitar aceitar muito levianamente, como autênticos, os fatos deste gênero, sejam espontâneos, como os do moinho de Vicq-sur-Nahon, sejam conscientemente provocados pelo médium. A imitação, é verdade, só poderia ser grosseira e imperfeita, mas com habilidade pode-se enganar facilmente, como outrora fizeram com a dupla vista, aos que não conheciam as condições nas quais os fenômenos reais podem produzir-se. Vimos supostos médiuns de rara habilidade simulando transportes, escrita direta e outros gêneros de manifestações. Assim, só se deve admitir com conhecimento de causa a intervenção dos Espíritos nessas espécies de coisas.

No caso de que se trata não afirmamos esta intervenção; limitamo-nos a dizer que ela é possível. Apenas os dois princípios de incêndio poderiam fazer suspeitar um ato humano, suscitado pela malevolência, que sem dúvida o futuro levará a descobrir. Todavia, é bom notar que, graças à clarividência da jovem, suas consequências puderam ser evitadas. Com exceção deste último fato, os demais não passaram de travessuras sem maior importância. Se são obra dos Espíritos, só podem provir dos Espíritos levianos, divertindo-se com os terrores e as impaciências que causam. Sabe-se que os há de todos os caracteres, como na Terra. O melhor meio de se desembaraçar deles é não se inquietar com eles e esgotar a sua paciência, que jamais é tão longa quando veem que ninguém se preocupa com eles, o que se lhes prova rindo de suas malícias e os desafiando a fazer mais. O meio mais seguro de os excitar a perseverar é atormentar-se e encolerizar-se contra eles. Pode-se ainda livrar-se deles evocando-os com o auxílio de um bom médium e orando por eles; então, entretendo-se com eles, pode saber-se o que são e o que' querem, e os fazer escutar a razão.

Aliás, estes tipos de manifestações têm um resultado mais sério: o de propagar a ideia do mundo invisível que nos rodeia, e afirmar a sua ação sobre o mundo material. É por isto que elas se produzem de preferência entre pessoas estranhas ao Espiritismo, antes que nos espíritas, que delas não necessitam para se convencerem.

A fraude, em semelhante caso, por vezes pode ser apenas inocente brincadeira, ou um meio de se dar importância, fazendo crer numa faculdade que não se possui, ou se a possui imperfeitamente. Mas na maioria dos casos ela tem por móvel um interesse patente ou dissimulado, e por objetivo explorar a confiança das pessoas demasiado crédulas ou inexperientes. É então uma verdadeira fraude. Seria supérfluo insistir em dizer que os que se tornam culpados de quaisquer enganos deste gênero, mesmo que fossem solicitados apenas pelo amor-próprio, não são espíritas, ainda que se deem como tais. Os fenômenos reais têm um caráter sui generis, e se produzem em circunstâncias que desafiam toda suspeição. Um conhecimento completo desses caracteres e dessas circunstâncias pode facilmente levar a descobrir a trapaça.

Se essas explicações chegarem ao conhecimento do Sr. Garnier, ele aí encontrará a resposta ao pedido que faz em sua carta.


3. — Um de nossos correspondentes nos transmite o relato, escrito por uma testemunha ocular, de manifestações análogas ocorridas em janeiro último, no burgo da Basse-Indre  †  (Loire-Inférieure).  Consistiam em batidas com obstinação, durante várias semanas e que puseram em polvorosa todos os habitantes de uma casa. As pesquisas e investigações feitas pela autoridade para lhes descobrir a causa não conduziram a nada. Aliás, este fato não apresenta nenhuma particularidade mais notável, a não ser, como todas as manifestações espontâneas, chamar a atenção para os fenômenos espíritas.

Como fato de manifestações físicas, as que se produzem assim espontaneamente exercem sobre a opinião pública uma influência infinitamente maior que os efeitos provocados diretamente por um médium, seja porque têm maior repercussão e notoriedade, seja porque dão menos ensejo às suspeitas de charlatanismo e de prestidigitação.

Isto nos lembra um fato que se passou em Paris, no mês de maio do ano passado. Ei-lo, tal como foi referido na ocasião, pelo Petit Journal.


4. MANIFESTAÇÕES DE MÉNILMONTANT.


Um fato singular se repete frequentemente no bairro de Ménilmontant,  †  sem que se tenha ainda podido explicar sua causa.

“O Sr. X…, fabricante de bronzes, mora num pavilhão ao fundo da casa; aí se entra pelo jardim. Os ateliês estão à esquerda e a sala de jantar à direita. Uma campainha está colocada acima da porta da sala de jantar; naturalmente o cordão está à porta do jardim. A aleia é bastante longa para que uma pessoa, tendo tocado, possa fugir antes que tenham vindo abrir.

“Várias vezes o contramestre, tendo ouvido a campainha, foi à porta e não viu ninguém. A princípio pensaram numa mistificação; mas, por mais que espreitassem e se assegurassem de que não havia nenhum fio que levasse à campainha, nada descobriram, e a artimanha continuava sempre. Um dia a campainha se agitou enquanto o Sr. e a Sra. X… achavam-se precisamente embaixo e um aprendiz estava na aleia diante do cordão. O fato se repetiu três vezes na mesma noite. Acrescente-se que por vezes a campainha tocava bem baixinho e outras vezes de maneira muito barulhenta.

“Desde alguns dias o fenômeno tinha cessado, mas anteontem à noite renovou-se com mais persistência.

“A Sra. X… é uma mulher muito piedosa. Há uma crença em sua região que os mortos veem reclamar preces dos parentes. Ela pensou numa tia morta e julgou ter achado a explicação. Mas preces, missas, novenas, nada resolveu: a campainha toca sempre.

“Um distinto metalurgista, a quem o fato foi contado, pensou que fosse um fenômeno científico e que uma certa quantidade de água-forte e de vitríolo, que se achava na oficina, podia desprender uma força bastante grande para mover o fio de ferro. Mas, afastadas as substâncias, o fato não cessou de se produzir.

“Não procuraremos explicá-lo, pois é assunto dos cientistas, diz a Patrie, que bem poderia enganar-se. Essas espécies de mistérios muitas vezes terminam se explicando sem que a Ciência aí constate o menor fenômeno ainda desconhecido.”


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