O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano IX — Junho de 1866.

(Idioma francês)

Tentativa de assassinato do Imperador da Rússia.

ESTUDO PSICOLÓGICO.
(Sumário)

1. — Sob o título de Notícias da Rússia — correspondência de São Petersburgo  †  — o Indépendance belge de 30 de abril dá um relato detalhado das circunstâncias que seguiram o atentado de que o czar foi objeto. Além disso, fala de certos indícios precursores do crime e contém a respeito a seguinte passagem:

“Conta-se que o governador de São Petersburgo, príncipe Souwouroff, tinha recebido uma carta anônima, assinada N.N.N., na qual lhe ofereciam, mediante certas indicações, desvendar um mistério importante, pedindo uma resposta na Gazeta da Polícia. A resposta apareceu; está assim concebida: “A chancelaria do general governador convida N.N.N. a vir amanhã, entre onze e duas horas, para dar certas explicações.” Mas o anônimo não apareceu; enviou uma segunda carta, anunciando que era muito tarde e não estava mais livre para vir.

“O convite foi reiterado dois dias após o atentado, mas sem resultado.

“Enfim, como último indício, algumas pessoas acabam de se lembrar que três semanas antes do atentado o jornal alemão Die Gartenlaube publicou o relato de uma sessão espírita, realizada em Heidelberg,  †  na qual o Espírito de Catarina II anunciava que o imperador Alexandre estava ameaçado por um grande perigo.

“Dificilmente se explica, depois de tudo isto, como a polícia russa não pôde ser instruída a tempo do crime que se preparava. Essa polícia, que custa muito caro, e que inunda de espiões inúteis todos os nossos círculos e assembleias públicas, não só foi incapaz de descobrir a tempo o complô, mas até de cercar o soberano com a sua vigilância, o que é elementar e de toda necessidade, sobretudo com um príncipe que sai quase sempre só, seguido de seu canzarrão; que faz passeios a pé nas horas matinais, sem estar acompanhado por um ajudante de ordem. No próprio dia do atentado, encontrei o imperador na Rua Millonaia, às nove horas e meia da manhã; estava completamente só e saudava com afabilidade os que o reconheciam: A rua estava quase deserta e os agentes de polícia muito raros.”


2. — O que é, sobretudo, notável nesse artigo é a menção, sem comentário, do aviso dado pelo Espírito de Catarina II, numa sessão espírita. Teriam posto este fato no número dos indícios precursores, se se tivessem considerado as comunicações espíritas como trapaças ou ilusões? Numa questão tão grave, teriam evitado fazer intervir uma crença considerada como ridícula. É uma nova prova da reação que se opera na opinião, a respeito do Espiritismo.

Temos de analisar o fato do atentado de outro ponto de vista. Sabe-se que o imperador deveu a sua salvação a um jovem camponês chamado Joseph Kommissaroff que, achando-se à sua passagem, desarmou o braço do assassino. Sabe-se, também, os favores de toda natureza com que este último foi cumulado: foi nobilitado e as dádivas que recebeu lhe asseguram uma fortuna considerável.

O jovem se dirigia a uma capela, situada do outro lado do Neva,  †  por ocasião de seu aniversário natalício; nesse momento começava o degelo e, porque a circulação estivesse interrompida, ele teve de renunciar ao seu projeto. Em decorrência desse fato, ficou na outra margem do rio e encontrou-se na passagem do imperador, que saía do jardim de verão. Tendo-se misturado à multidão, percebeu um indivíduo que tentava aproximar-se, e cujas atitudes lhe pareceram suspeitas; seguiu-o e, tendo-o visto tirar uma pistola do bolso e apontá-la para o imperador, teve a presença de espírito de lhe bater no braço, o que fez a arma disparar para o ar.

Que feliz acaso, dirão certas pessoas, que justo no momento o degelo tenha impedido Kommissaroff de atravessar o Neva! Para nós, que não acreditamos no acaso, mas que tudo está submetido a uma direção inteligente, diremos que estava nas provas do czar correr aquele perigo (Vide O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XXV, Prece num perigo iminente), mas, não tendo ainda chegado sua hora, Kommissaroff havia sido escolhido para impedir a consumação do crime, e as coisas, que parecem efeito do acaso, estavam combinadas para levar ao resultado desejado.

Os homens são os instrumentos inconscientes dos desígnios da Providência. É por eles que ela os realiza, sem que haja necessidade de recorrer a prodígios. Basta a mão invisível que os dirige e nada sai da ordem das coisas naturais.

Se é assim, dirão, o homem não passa de uma máquina, e suas ações são fatais. — Absolutamente, porque se for solicitado a fazer uma coisa, a isto não é constrangido; não deixa de conservar o livre-arbítrio, em virtude do qual pode fazê-la ou não, e a mão que o conduz fica invisível, precisamente para lhe deixar mais liberdade. Assim Kommissaroff podia muito bem não ceder ao impulso oculto que o dirigia para a passagem do imperador; podia ficar indiferente, como tantos outros, à vista do homem suspeito; enfim, poderia ter olhado para outro lado no momento em que este último tirava a pistola do bolso. — Mas, então, se tivesse resistido a esse impulso, o imperador teria sido morto? — Também não; os desígnios da Providência não estão à mercê do capricho de um homem. A vida do imperador devia ser preservada; em falta de Kommissaroff, teria sido por outro meio; uma mosca poderia picar a mão do assassino, levando-o a fazer um movimento involuntário; uma corrente fluídica dirigida sobre ele poderia ter-lhe provocado uma ofuscação. Apenas se Kommissaroff não tivesse escutado a voz íntima que o guiava mau grado seu, teria perdido o benefício da ação que estava incumbido de realizar: eis tudo o que teria resultado. Mas se a hora fatal tivesse soado para o czar, nada poderia tê-lo preservado. Ora, os perigos iminentes que corremos têm por objetivo preciso mostrar-nos que nossa vida prende-se por um fio, que pode romper-se no momento em que menos pensamos e, assim, advertir-nos para estarmos sempre prontos para partir.

Mas, por que esse jovem camponês, e não um outro? Para quem quer que não veja nos acontecimentos um simples jogo do acaso, cada coisa tem sua razão de ser. Devia, pois, haver um motivo na escolha daquele rapaz e, ainda quando esse motivo nos fosse desconhecido, a Providência nos dá bastantes provas de sua sabedoria, para não duvidar que tal escolha tinha sua utilidade.


3. — Tendo sido a questão apresentada como objeto de estudo, numa reunião espírita realizada em casa de uma família russa que residia em Paris,  †  um Espírito deu a seguinte explicação:


(Paris, 1º de maio de 1866. – Médium: Sr. Desliens.)

Mesmo na existência do ser mais ínfimo, nada é deixado ao acaso. Os principais acontecimentos de sua vida são determinados por sua provação: os detalhes são influenciados por seu livre-arbítrio; mas o conjunto da situação foi previsto e combinado antecipadamente por ele próprio e por aqueles que Deus escolheu para sua guarda.

No caso que aqui nos ocupa, as coisas se passaram segundo o curso ordinário. Sendo esse moço já avançado e inteligente, escolheu como provação nascer em condição miserável, depois de ter ocupado uma alta posição social; estando já desenvolvidas a sua inteligência e a sua moralidade, pediu uma condição humilde e obscura para destruir as últimas sementes do orgulho que nele havia deixado o espírito de casta. Escolheu livremente, mas Deus e os bons Espíritos se reservaram recompensá-lo na primeira manifestação de devotamento desinteressado e vedes em que consiste sua recompensa.

Resta-lhe agora, em meio às honrarias e à fortuna, conservar intacto o sentimento de humildade, que foi a base de sua nova encarnação; por isso, ainda é uma prova e uma dupla prova, na sua qualidade de homem e na sua qualidade de pai. Como homem, deve resistir ao arrebatamento de uma alta e súbita fortuna; como pai, deve preservar os filhos da arrogância dos novos-ricos. Pode criar-lhes uma posição admirável; pode aproveitar sua posição intermediária para deles fazer homens úteis ao seu país. Plebeus de nascimento, nobres pelo mérito de seu pai, poderão, como muitos dos que encarnam presentemente na Rússia, trabalhar poderosamente pela fusão de todos os elementos heterogêneos, pelo desaparecimento do elemento servil que, entretanto, durante muito tempo não poderá ser destruído de modo radical.

Nesta elevação há, sem dúvida, uma recompensa, mas ainda há uma prova. Sei que na Rússia o mérito recompensado encontra mercê diante dos grandes; mas lá, como alhures, o novo-rico orgulhoso e cheio de si é vítima das zombarias; torna-se o joguete de uma sociedade que em vão se esforça por imitar. O ouro e as grandezas não lhe deram a elegância e o espírito do mundo. Desprezado e invejado por aqueles em cujo meio nasceu, muitas vezes é isolado e infeliz no meio de seu fausto.

Como vedes, nem tudo é agradável nessas ascensões súbitas, sobretudo quando atingem tais proporções. Para esse jovem, esperamos, em razão de suas excelentes qualidades, que saberá gozar em paz as vantagens que lhe proporcionou sua ação, e evitar as pedras de tropeço que poderiam retardar sua marcha no caminho do progresso.


Mokí.


Observação. – Em falta de provas materiais sobre a exatidão dessa explicação, devemos convir que ela é eminentemente racional e instrutiva; e como o Espírito que a deu sempre se distinguiu pela gravidade e alto alcance de suas comunicações, consideramos esta como tendo todos os caracteres da probabilidade.

Com efeito, a nova posição de Kommissaroff é muito arriscada para ele, e seu futuro depende da maneira pela qual sofrerá esta prova, cem vezes mais perigosa que as desgraças materiais às quais a gente se resigna por força, ao passo que é bem mais difícil resistir às tentações do orgulho e da opulência. Quanta força ele não tiraria do conhecimento do Espiritismo e de todas as verdades que ensina!

Mas, como se pôde notar, as vistas da Providência não param naquele jovem. Sofrendo sua prova, e pelo próprio fato da prova, ele pode, pelo encadeamento das circunstâncias, tornar-se um elemento de progresso para o seu país, ajudando a destruição dos preconceitos de casta. Assim, tudo se liga no mundo, pelo concurso das forças inteligentes que o dirigem; nada é inútil, e as menores coisas em aparência podem conduzir aos maiores resultados, e isto sem derrogar as leis da Natureza. Se pudéssemos ver o mecanismo que nos ocultam a nossa natureza material e a nossa inferioridade, de que admiração não seríamos transportados! Mas se não o podemos ver, o Espiritismo, revelando essas leis, no-lo faz compreender pelo pensamento, e é por aí que nos eleva, aumenta nossa fé e nossa confiança em Deus, e combate vitoriosamente a incredulidade.


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