O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano VII — Abril de 1864.

(Idioma francês)

INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS.


O Espiritismo e a Franco-maçonaria.

(Sociedade Espírita de Paris,  †  25 de fevereiro de 1864.)

Nota. – Nesta sessão foram dirigidos agradecimentos ao Espírito Guttemberg, com o pedido de tomar parte em nossas conversas, quando julgasse conveniente.

Na mesma sessão, a presença de vários dignitários estrangeiros da Ordem Maçônica motivou a seguinte pergunta: Que concurso o Espiritismo pode encontrar na Franco-maçonaria?  † 

Várias dissertações foram obtidas sobre o assunto.


I.


Senhor Presidente, agradeço o vosso amável convite. É a primeira vez que uma de minhas comunicações é lida na Sociedade Espírita de Paris e, espero, não será a última.

Talvez tenhais achado em minhas reflexões, um tanto longas sobre a imprensa, alguns pensamentos que não aprovais completamente. Mas, refletindo na dificuldade que sentimos ao nos pormos em relação com os médiuns e utilizar as suas faculdades, havereis de passar de leve sobre certas expressões ou modo de dizer, que nem sempre dominamos. Mais tarde a eletricidade fará a sua revolução mediúnica, e como tudo será mudado na maneira de reproduzir o pensamento do Espírito, não mais encontrareis essas lacunas por vezes lamentáveis, sobretudo quando as comunicações são lidas diante de estranhos.

Falastes da franco-maçonaria, e tendes razão de nela esperar encontrar bons elementos. O que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto e em seres benfeitores, devotados, sociáveis, dignos e humildes. Ali se pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.

A questão do Espiritismo foi posta na ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito complicados a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem um tema que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Entretanto, muitos maçons são espíritas e trabalham bastante na propagação dessa crença. Todos escutam, e se o hábito diz: Não, a razão diz: Sim.

Esperai, então, porque o tempo é um aliciador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estudos, abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento; isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais, meditam.

Assim, tereis um seminário espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar os caminhos prometidos. Os homens inteligentes da maçonaria vos bendirão por sua vez, pois a moral dos Espíritos dará um corpo a esta seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.

Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos.


Guttemberg. n

(Médium: Sr. Leymarie.)  


II.


Meu caro irmão em doutrina (o Espírito se dirige a um dos franco-maçons espíritas presentes na sessão), venho com alegria responder ao benévolo apelo que fazeis aos Espíritos que amaram e fundaram as instituições franco-maçônicas. Para consolidar essa instituição generosa, duas vezes derramei o meu sangue; duas vezes as praças públicas desta cidade ficaram tintas do sangue do pobre Jacques Molé. Caros irmãos, seria preciso dá-lo uma terceira vez? Direi com satisfação: não. Já vos foi dito: Quanto mais sangue, mais despotismo, mais carrascos! Uma sociedade de irmãos, de amigos, de homens cheios de boa vontade, que só desejam uma coisa: conhecer a verdade para fazer o bem! Eu ainda não me havia comunicado nesta assembleia. Enquanto falastes de ciência espírita, de filosofia espírita, cedi o lugar aos Espíritos que são mais aptos a vos dar conselhos sobre esses vários pontos e esperava pacientemente, sabendo que chegaria a minha vez. Há tempo para tudo, como há um momento para cada um. Assim, creio que soou a hora e é o momento oportuno. Posso, pois, dar-vos a minha opinião no que respeita ao Espiritismo e à franco-maçonaria.

As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda ideia liberal era considerada um crime, os homens precisavam de uma força que, embora inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não uma mãe consoladora, mas uma força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo se curvar à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre-pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e, no infortúnio, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.

Vários séculos se passaram e cada um juntou algumas flores à coroa maçônica. Foram mártires, homens letrados, legisladores, que aumentaram a sua glória, tornando-se seus defensores e conservadores. No século dezenove vem o Espiritismo, com seu facho luminoso, dar a mão aos comendadores, aos rosa-cruzes, e com voz trovejante lhes grita: Vamos, meus irmãos; eu sou verdadeiramente a voz que se faz ouvir no Oriente e à qual o Ocidente responde, dizendo: Glória, honra, vitória aos filhos dos homens! Mais alguns dias e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maior parte do recinto do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. O Espiritismo fez progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-maçonaria, todas as dificuldades serão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade transparecerá e maior progresso moral será realizado; terá transposto os primeiros degraus do trono, onde logo deverá reinar.

A vós, saudação fraternal e amizade.

Jacques Molé. n

(Médium: Srta. Béguet.)   


III.


Fiquei satisfeitíssimo em me juntar às discussões deste centro tão profundamente espiritualista, e venho a ele atraído por Guttemberg, como outro dia o fora por Jacquard. [v. Jacquard e Vaucanson.]

A maior parte da dissertação do grande tipógrafo tratou da questão do ponto de vista do tear, e ele não viu nessa bela invenção senão o lado prático, material, utilitário. Ampliemos o debate e coloquemos a questão mais no alto.

Seria erro acreditar que a imprensa veio substituir a arquitetura, pois esta permanecerá para continuar seu papel historiógrafo, por meio de monumentos característicos, assinalados pelo espírito de cada século, de cada geração, de cada revolução humanitária. Não, dizemos bem alto, a imprensa nada veio derrubar; veio para completar, por sua obra especial, grande e emancipadora. Chegou na hora certa, como todas as descobertas que eclodem providencialmente aqui. Contemporâneo do monge que inventou a pólvora e que, por isso, revolucionou a velha arte das batalhas, Guttemberg trouxe uma nova alavanca à expansão das ideias. Não o esqueçamos: a imprensa não podia ter sua legítima razão de ser senão pela emancipação das massas e o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Sem essa necessidade a satisfazer, sem esse alimento, esse maná espiritual a distribuir, por muito tempo a imprensa ainda se teria debatido no vazio e não teria sido considerada senão um sonho de louco, ou uma utopia sem alcance. Não é assim que foram tratados os primeiros inventores, melhor dizendo, os primeiros que descobriram e constataram as propriedades do vapor? Fazei Guttemberg nascer nas ilhas Andaman e a imprensa aborta fatalmente. [Vide comunicação de Guttemberg: A imprensa.]

A ideia, portanto, é a alavanca primordial que deve ser considerada. Sem a ideia, sem o trabalho fecundo dos pensadores, dos filósofos, dos ideólogos e, mesmo, dos monges sonhadores da Idade Média a imprensa teria ficado letra morta. Guttemberg pode, pois, acender mais de uma vela em honra aos dialéticos da escola, que fizeram germinar a ideia e burilar as inteligências. A ideia febril, que reveste uma forma plástica no cérebro humano, é e será sempre o maior motor das descobertas e das invenções. Criar uma necessidade nova no meio das sociedades modernas é abrir um novo caminho à ideia perpetuamente inovadora; é impelir o homem inteligente à busca do que satisfaça essa nova necessidade da Humanidade. Eis por que, por toda parte onde a ideia for soberana, onde for acolhida com respeito, enfim, onde os pensadores forem honrados, o progresso para Deus está garantido.

A franco-maçonaria, contra a qual tanto gritaram, contra a qual a Igreja romana foi pródiga em anátemas, nem por isto, deixou de sobreviver, abrindo de par em par as portas de seus templos ao culto emancipador da ideia. Em seu seio todas as questões mais graves foram tratadas e, antes que o Espiritismo tivesse aparecido, os veneráveis e os grão-mestres sabiam e professavam que a alma é imortal e que os mundos visível e invisível se comunicam entre si. É aí, nesses santuários onde os profanos não eram admitidos, que os Swedenborg, os Pasqualis, os Saint-Martin obtiveram resultados fulminantes; é aí onde essa grande Sofia, essa etérea inspiradora, veio ensinar aos primogênitos da Humanidade os dogmas emancipadores, onde 1789 hauriu seus princípios fecundos e generosos; é ai onde, muito antes dos vossos médiuns contemporâneos, precursores da vossa mediunidade, grandes desconhecidos, tinham evocado e feito aparecerem os sábios da antiguidade e dos primeiros séculos desta era; é aí… Mas eu me detenho. O quadro restrito de vossas sessões, o tempo que se escoa, não me permitem alongar-me, como gostaria, sobre esse assunto interessante. A ele voltaremos mais tarde. Tudo quanto direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas uma falange numerosa e compacta de crentes, não de crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e inabaláveis em sua fé.

O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e beneficentes da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas irrecusáveis da imortalidade da alma; conduz a Humanidade ao objetivo que ela se propõe: a união, a paz, a fraternidade universal, pela fé em Deus e no futuro. Os espíritas sinceros de todas as nações, de todos os cultos e de todas as camadas sociais não se olham como irmãos? Entre eles não há uma verdadeira franco-maçonaria, com a só diferença de que, em vez de secreta, é praticada aos olhos de todos? Homens esclarecidos, como os que possui, que põem suas luzes acima dos preconceitos de camarilhas e de castas, não pode ver com indiferença o movimento que esta nova doutrina, essencialmente emancipadora, produz no mundo. Repelir um elemento tão poderoso de progresso moral seria abjurar seus princípios e pôr-se ao nível de homens retrógrados. Não; tenho certeza de que não se deixarão desviar, pois vejo que, sob a nossa influência, vão chamar a si esta grave questão.

O Espiritismo é uma corrente irresistível de ideias, que deve ganhar todo o mundo: é apenas questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica crer que esta possa se aniquilar e representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para frente; crer, sobretudo, que ela apague o facho, como se temesse a luz.

Que fique bem claro que aqui falo da alta franco-maçonaria, e não dessas lojas feitas para a ilusão, onde mais se reúnem para comer e beber, ou para rir das perplexidades que inocentes experiências causam aos neófitos, do que para discutir questões de moral e de filosofia. Era mesmo necessário, para que a franco-maçonaria pudesse continuar sua vasta missão sem entraves, que houvesse, de espaço em espaço, de raio em raio, de meridiano em meridiano, templos fora do templo, lugares profanos fora dos lugares sagrados, falsos tabernáculos fora da arca. É nesses centros que, inutilmente, os adeptos do Espiritismo têm tentado se fazerem entendidos.

Em suma, a franco-maçonaria ensinou o dogma precursor do vosso e, em segredo, professou o que proclamais dos telhados. Como disse, voltarei a estas questões, caso o permitam os grandes Espíritos que presidem aos vossos trabalhos. Por ora, afirmo que a Doutrina Espírita pode perfeitamente unir-se à das grandes lojas do Oriente. Agora, glória ao Grande Arquiteto!


Um antigo franco-maçon, Vaucanson. n

(médium: Sr. d Ambel.)       



[1] [v. Guttemberg.]


[2] [v. Jacques Molé.]


[3] [v. Vaucanson.]


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