O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano III — Outubro de 1860.

(Idioma francês)

DISSERTAÇÕES ESPÍRITAS.

Recebidas ou lidas na Sociedade por vários médiuns.

O despertar do Espírito.

(Médium – Sra. Costel.)
(Sumário)

1. — Quando o homem abandona os despojos mortais, experimenta um espanto e um deslumbramento que o deixam por algum tempo indeciso quanto ao seu estado real; não sabe se está morto ou vivo e suas sensações, muito confusas, demoram bastante para aclarar-se. Pouco a pouco, os olhos do Espírito ficam deslumbrados por diversas claridades que o cercam e ele acompanha toda uma ordem de coisas, grandes e desconhecidas, que de início tem dificuldade em compreender, mas em breve reconhece que não passa de um ser impalpável e imaterial; procura seus despojos e se surpreende de não os encontrar; passa-se algum tempo antes que lhe venha a memória do passado e o convença de sua identidade. Olhando a Terra, que acaba de deixar, vê os parentes e amigos que o pranteiam, como vê o corpo inerte. Finalmente seus olhos se destacam da Terra e se elevam para o Céu; se a vontade de Deus não o retém no solo, ele sobe lentamente e se sente flutuar no espaço, o que é uma sensação deliciosa. Então a lembrança da vida que deixa lhe aparece com uma clareza às mais das vezes desoladora, mas outras vezes consoladora. Falo-te aqui do que experimentei, eu que não sou um mau Espírito, mas que não tenho a felicidade de ocupar uma posição elevada. Nós nos despojamos de todos os preconceitos terrenos; a verdade aparece em toda a sua luz; nada atenua as faltas, nada oculta as virtudes; vemos nossa alma tão claramente quanto num espelho; procuramos entre os Espíritos os que foram conhecidos, porque o Espírito se apavora no seu isolamento, mas eles passam sem se deterem; não há relações amistosas entre os Espíritos errantes; aqueles mesmos que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam; as comunicações afetuosas são reservadas aos Espíritos superiores, que intercambiam seus pensamentos. Quanto a nós, nosso estado transitório só serve para o nosso adiantamento, tendo em vista que nada nos distrai; as únicas comunicações que nos são permitidas são com os humanos, porque têm um fim de mútua utilidade, que Deus prescreve.

Os maus Espíritos também contribuem para a melhoria humana: servem para as provas; quem lhes resiste, conquista méritos. Os Espíritos que dirigem os homens são recompensados por um grande abrandamento de suas penas. Os Espíritos errantes não sofrem a ausência de comunicações entre si, pois sabem que se encontrarão; têm apenas mais ardor para chegar ao momento em que as provas realizadas lhes darão o objeto de sua afeição, que não pode ser expressa, mas que neles jaz latente. Nenhum dos laços que contraímos na Terra se desfaz; nossas simpatias serão restabelecidas na ordem em que tiverem existido, mais ou menos vivas conforme o grau de calor ou de intimidade que tiverem tido. [Vide: Observações Preliminares.]

Georges.


[Revista de novembro de 1860.]

2. RELAÇÕES AFETUOSAS DOS ESPÍRITOS.


Comentário sobre o ditado espontâneo publicado na Revista do mês de outubro de 1860, sob o título de: O Despertar do Espírito.

São geralmente admiradas as belas comunicações do Espírito que assina Georges; mas, em razão mesmo da superioridade de que esse Espírito dá prova, várias pessoas viram com surpresa o que ele diz em sua comunicação O Despertar do Espírito, a propósito das relações de além-túmulo. Ali se lê o seguinte:

“Quando nos despojamos de todos os preconceitos terrenos, a verdade aparece em toda a sua luz. Nada atenua as faltas, nada oculta as virtudes. Vemos nossa alma tão claramente como num espelho; procuramos entre os Espíritos os que foram conhecidos, porquanto o Espírito se apavora no seu isolamento, embora passem sem se deter. Não há comunicações amigáveis entre os Espíritos errantes; aqueles mesmos que se amaram não trocam sinais de reconhecimento; essas formas diáfanas deslizam e não se fixam; as comunicações afetuosas são reservadas aos Espíritos superiores.”

O pensamento do reencontro após a morte e da comunicação com os que amamos é uma das mais doces consolações do Espiritismo, e a ideia de que as almas não possam ter entre si relações de amizade seria dolorosa, se fosse absoluta; por isso não nos surpreendemos com o sentimento penoso que ela produziu. Se Georges tivesse sido um desses Espíritos vulgares e sistemáticos, que manifestam as próprias ideias sem se inquietarem com a sua exatidão ou falsidade, não lhe teríamos dado a menor importância. Em razão de sua sabedoria e de sua profundeza habituais, poder-se-ia imaginar que no fundo dessa teoria houvesse algo de verdadeiro, mas que o pensamento não tivesse sido expresso completamente. É, com efeito, o que resulta das explicações que pedimos. Temos, pois, uma prova a mais de que nada se deve aceitar sem o haver submetido ao controle da razão; e aqui a razão e os fatos nos dizem que essa teoria não, podia ser absoluta.

Se o isolamento fosse uma propriedade inerente à erraticidade, tal estado seria um verdadeiro suplício, tanto mais penoso quanto pode prolongar-se por muitos séculos. Sabemos, por experiência, que a privação da vista dos que amamos é uma punição para certos Espíritos; mas também sabemos que muitos são felizes por se encontrarem; que, ao sairmos desta vida, os nossos amigos do mundo espírita nos vêm receber e nos ajudam a nos desembaraçarmos das vestes materiais, e que nada é mais penoso do que não encontrar nenhuma alma benevolente nesse momento solene. Esta doutrina consoladora seria uma quimera? Não, não pode ser, porquanto não é apenas o resultado de um ensino: são as próprias almas, felizes ou sofredoras, que vêm descrever a sua situação. Sabemos que os Espíritos se reúnem e combinam entre si para agir de comum acordo, com mais força em certas ocasiões, tanto para o mal, quanto para o bem; que os Espíritos que não possuem os necessários conhecimentos para responder às perguntas que lhes são dirigidas, podem ser assistidos por Espíritos mais esclarecidos; que estes têm por missão ajudar com seus conselhos o progresso dos Espíritos mais atrasados; que os Espíritos inferiores agem sob o impulso de outros Espíritos, dos quais são instrumentos; que recebem ordens, proibições ou permissões, circunstâncias essas que não ocorreriam se os Espíritos fossem entregues a si mesmos. O simples bom-senso nos diz, pois, que a situação da qual ele falou é relativa e não absoluta; que pode existir para alguns em dadas circunstâncias, mas não poderia ser geral, porque, do contrário, seria o maior obstáculo ao progresso do Espírito e, por isso mesmo, não seria conforme à justiça de Deus, nem à sua bondade. Evidentemente, o Espírito de Georges não considerou senão uma fase da erraticidade, na qual, para melhor dizer, restringiu a acepção do termo errante a uma determinada categoria de Espíritos, em vez de aplicá-lo, como nós o fazemos indistintamente a todos os Espíritos não encarnados.

Pode, pois, acontecer que dois seres que se amaram não troquem sinais de reconhecimento;.que nem mesmo possam ver-se e se falar, caso seja uma punição para um deles. Por outro lado, como os Espíritos se reúnem conforme a ordem hierárquica, dois seres que se amaram na Terra podem pertencer a ordens muito diferentes e, justamente por isso, encontrar-se separados até que o menos adiantado alcance o grau do outro. Essa privação pode ser, assim, uma consequência da expiação e das provas terrestres: compete a nós agir de modo a não merecê-la.

A felicidade dos Espíritos é relativa à sua elevação. Essa felicidade só é completa para os Espíritos depurados, e consiste principalmente no amor que os une; isto se concebe e é de toda justiça, porquanto a verdadeira afeição não pode existir senão entre seres que se despojaram de todo egoísmo e de toda influência material, pois somente neles ela é pura, sem segunda intenção, não podendo ser perturbada por nada. Daí se segue que suas comunicações devem ser, por isso mesmo, mais afetuosas e mais expansivas do que entre os Espíritos que ainda se acham sob o império das paixões terrenas. É preciso daí concluir que os Espíritos errantes não são forçosamente privados, mas podem ser privados dessas comunicações, se tal for a punição a eles imposta. Como diz Georges em outra passagem: “Essa privação momentânea lhes dá mais ardor para atingirem o momento em que as provas realizadas lhes devolverão o objeto de sua afeição.” Portanto, essa privação não é o estado normal dos Espíritos errantes, mas uma expiação para os que a mereceram, uma das mil e uma variedades que nos esperam na outra vida, quando tivermos desmerecido nesta.


[Revista de fevereiro de 1861.]

3. COMENTÁRIO SOBRE O DITADO PUBLICADO SOB O TÍTULO DE “DESPERTAR DO ESPÍRITO”.


Numa comunicação que o Espírito Georges ditou à Sra. Costel, publicada na Revista de 1860 sob o título de O Despertar do Espírito, foi dito que não há relações amistosas entre os Espíritos errantes; que aqueles mesmos que se amaram não trocam sinais de reconhecimento. Em várias pessoas essa teoria causou uma impressão muito penosa, sobretudo porque os leitores da Revista consideram aquele Espírito elevado, havendo admirado a maioria de suas comunicações. Se essa teoria fosse absoluta, estaria em contradição com o que tantas vezes foi dito, que no momento da morte os Espíritos amigos vêm receber o recém-vindo, auxiliando-o a se desembaraçar dos liames terrestres e, de certo modo, iniciando-o em sua nova vida. Por outro lado, se os Espíritos inferiores não se comunicassem com os mais adiantados, não poderiam progredir.

Procuramos refutar essas objeções num artigo da Revista de 1860, sob o título de Relações Afetuosas dos Espíritos, mas eis os comentários que, a pedido nosso, deu o próprio Georges de sua comunicação:


“Quando um homem é surpreendido pela morte nos hábitos materialistas de uma vida que jamais lhe deixou tempo para se ocupar de Deus; quando, palpitando ainda de angústias e de temores terrenos, chega ao mundo dos Espíritos, assemelha-se a um viajante que ignorasse a língua e os costumes do país que visita. Imerso na perturbação, é incapaz de se comunicar, não compreendendo nem mesmo as próprias sensações, nem as dos outros. Erra envolto no silêncio; então sente germinarem, eclodirem e se desenvolverem lentamente pensamentos desconhecidos, e uma nova alma floresce na sua. Chegada a esse ponto, a alma cativa sente caírem os laços e, como uma ave a quem a liberdade é devolvida, lança-se para Deus, soltando um grito de alegria e de amor. Então, se comprimem à sua volta os Espíritos dos parentes, dos amigos purificados que, silenciosamente, o haviam acolhido em sua volta. São em reduzido número os que podem, logo após a libertação do corpo, comunicar-se com os amigos que reencontram. É necessário ter merecido, e somente os que cumpriram gloriosamente suas últimas migrações se acham, desde o primeiro momento, bastante desmaterializados para gozar desse favor que Deus concede como recompensa.

Apresentei uma das fases da vida espírita; não quis generalizar. Como se vê, não falei senão do estado dos primeiros instantes que se seguem à morte, que poderá ser mais ou menos duradouro, conforme a natureza do Espírito. Depende de cada um abreviá-lo, desprendendo-se dos laços terrenos desde a vida corpórea, já que somente o apego às coisas materiais o impede de fruir a felicidade da vida espiritual. [Vide: Observações Preliminares.]

Georges.


Observação. – Nada é mais moral que essa doutrina, pois nos mostra que nenhum dos gozos prometidos à vida futura é obtido sem mérito; que a própria felicidade de rever os seres que nos são caros e com eles conversar pode ser adiada. Numa palavra, que a situação na vida espírita, como em tudo, será o que fizermos pela nossa conduta na vida corpórea.


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