O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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Revista espírita — Ano I — Fevereiro de 1858.

(Idioma francês)

Diferentes ordens de Espíritos.

(Sumário)

1. — Um ponto capital na Doutrina Espírita é o das diferenças que existem entre os Espíritos, sob o duplo ponto de vista intelectual e moral; seu ensino, a esse respeito, jamais variou; não menos importante, porém, é saber que eles não pertencem eternamente à mesma ordem e que, em consequência, essas ordens não constituem espécies distintas: são diferentes graus de desenvolvimento. Os Espíritos seguem a marcha progressiva da Natureza: os das ordens inferiores são ainda imperfeitos; depois de depurados, atingem as ordens superiores; avançam na hierarquia à medida que adquirem qualidades, experiência e conhecimentos que lhes faltam. No berço, a criança não se assemelha ao que será na idade madura; entretanto, é sempre o mesmo ser.

A classificação dos Espíritos baseia-se no grau de adiantamento deles, nas qualidades que já adquiriram e nas imperfeições de que terão ainda de despojar-se. Esta classificação, aliás, nada tem de absoluta; apenas no seu conjunto cada categoria apresenta caráter definido. De um grau a outro a transição é insensível e, nos limites extremos, os matizes se apagam, como nos reinos da Natureza, nas cores do arco-íris ou, também, como nos diferentes períodos da vida do homem. Podem, pois, formar-se maior ou menor número de classes, conforme o ponto de vista donde se considere a questão. Dá-se aqui o que se dá com todos os sistemas de classificação científica, os quais podem ser mais ou menos completos, mais ou menos racionais e mais ou menos cômodos para a inteligência; sejam, porém, quais forem, em nada alteram as bases da Ciência. Assim, é natural que, inquiridos sobre este ponto, hajam os Espíritos divergido quanto ao número das categorias, sem que isto tenha valor algum. Entretanto, não faltou quem se agarrasse a esta contradição aparente, sem refletir que os Espíritos nenhuma importância ligam ao que é puramente convencional; para eles, o pensamento é tudo; deixam-nos a forma, a escolha dos termos, as classificações – numa palavra, os sistemas.

Façamos ainda uma consideração que se não deve jamais perder de vista: a de que entre os Espíritos, assim como entre os homens, há os muito ignorantes, de modo que nunca serão demais as cautelas que se tomem contra a tendência a crer que, por serem Espíritos, todos devam saber tudo. Qualquer classificação exige método, análise e conhecimento aprofundado do assunto. Ora, no mundo dos Espíritos, os que possuem limitados conhecimentos são, como neste orbe, os ignorantes, os inaptos a apreender uma síntese, a formular um sistema; mesmo os que são capazes de tal apreciação podem mostrar-se divergentes quanto às particularidades, conformemente aos pontos de vista em que se achem, sobretudo se se trata de uma divisão, que nenhum cunho absoluto apresente. Lineu, Jussieu e Tournefort tiveram cada um o seu método, sem que a Botânica,  †  em consequência, houvesse experimentado qualquer modificação. É que nenhum deles inventou as plantas, nem seus caracteres. Apenas observaram as analogias, segundo as quais formaram os grupos ou classes. Foi assim que também procedemos. Não inventamos os Espíritos, nem seus caracteres; vimos e observamos, julgamo-los pelas suas palavras e atos, depois os classificamos pelas semelhanças. É o que cada um teria feito em nosso lugar.

Entretanto, não podemos reivindicar a totalidade desse trabalho como sendo obra nossa. Se o quadro que damos a seguir não foi textualmente traçado pelos Espíritos, e se é nossa a iniciativa, todos os elementos que o compõem foram hauridos em seus ensinamentos; não nos restaria senão formular a disposição material.

Os Espíritos, em geral, admitem três categorias principais, ou três grandes divisões. Na última, a que fica na parte inferior da escala, estão os Espíritos imperfeitos que devem ainda percorrer todas, ou quase todas as etapas; caracterizam-se pela predominância da matéria sobre o Espírito e pela propensão ao mal. Os da segunda se caracterizam pela predominância do Espírito sobre a matéria e pelo desejo do bem: são os Espíritos bons. A primeira, finalmente, compreende os Espíritos puros, os que atingiram o grau supremo da perfeição.

Esta divisão nos pareceu perfeitamente racional e com caracteres bem positivados; só nos restava pôr em relevo, mediante subdivisões em número suficiente, os principais matizes do conjunto. Foi o que fizemos, com o concurso dos Espíritos, cujas benévolas instruções jamais nos faltaram.

Com o auxílio desse quadro, fácil será determinar-se a ordem, assim como o grau de superioridade ou de inferioridade dos que podem entrar em relação conosco e, por conseguinte, o grau de confiança ou de estima que merecem. Além disso, interessa-nos pessoalmente porque, como pertencemos, por nossa alma, ao mundo espírita, no qual reentraremos ao deixar nosso invólucro mortal, ele nos mostra o que nos resta fazer para chegarmos à perfeição e ao bem supremo. Faremos, todavia, notar que os Espíritos não ficam pertencendo, exclusivamente, a tal ou tal classe. Sendo sempre gradual o progresso deles e muitas vezes mais acentuado num sentido do que em outro, pode acontecer que muitos reúnam em si os caracteres de várias categorias, o que seus atos e linguagem tornam possível apreciar.


Escala Espírita.


2. — TERCEIRA ORDEM. — ESPÍRITOS IMPERFEITOS.


Características gerais. — Predominância da matéria sobre o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes.

Têm a intuição de Deus, mas não o compreendem.

Nem todos são essencialmente maus. Em alguns há mais leviandade, irreflexão e malícia do que verdadeira maldade. Uns não fazem o bem nem o mal; mas, pelo simples fato de não fazerem o bem, já denotam a sua inferioridade. Outros, ao contrário, se comprazem no mal e se rejubilam quando uma ocasião se lhes depara de praticá-lo.

Neles a inteligência pode achar-se aliada à maldade ou à malícia; seja, porém, qual for o grau que tenham alcançado de desenvolvimento intelectual, suas ideias são pouco elevadas e mais ou menos abjetos seus sentimentos.

Restritos conhecimentos têm das coisas do mundo espírita e o pouco que sabem se confunde com as ideias e preconceitos da vida corporal. Acerca dessas coisas, não nos podem dar senão noções falsas e incompletas; entretanto, nas suas comunicações, mesmo imperfeitas, o observador atento encontra a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos superiores.

Na linguagem de que usam se lhes revela o caráter. Todo Espírito que, em suas comunicações, trai um mau pensamento, pode ser classificado na terceira ordem. Conseguintemente, todo mau pensamento que nos é sugerido vem de um Espírito dessa ordem.

Eles veem a felicidade dos bons e esse espetáculo lhes constitui incessante tormento, porque os faz experimentar todas as angústias que a inveja e o ciúme podem causar.

Conservam a lembrança e a percepção dos sofrimentos da vida corpórea e essa impressão é muitas vezes mais penosa do que a realidade. Sofrem, pois, verdadeiramente, pelos males de que padeceram em vida e pelos que ocasionaram aos outros. E, como sofrem por longo tempo, julgam que sofrerão para sempre. Deus, para puni-los, quer que assim julguem.

Podem ser divididos em quatro grupos principais:


Nona classe. — ESPÍRITOS IMPUROS. — São inclinados ao mal, de que fazem o objeto de suas preocupações. Como Espíritos, dão conselhos pérfidos, sopram a discórdia e a desconfiança e se mascaram de todas as maneiras para melhor enganar. Ligam-se aos homens de caráter bastante fraco para cederem às suas sugestões, a fim de induzi-los à perdição, satisfeitos com o conseguirem retardar-lhes o adiantamento, fazendo-os sucumbir nas provas por que passam.

Nas manifestações, dão-se a conhecer pela linguagem. A trivialidade e a grosseria das expressões, nos Espíritos, como nos homens, é sempre indício de inferioridade moral, se não também intelectual. Suas comunicações exprimem a baixeza de seus pendores e, se tentam iludir, falando com sensatez, não conseguem sustentar por muito tempo o papel e acabam sempre por se traírem.

Alguns povos os arvoraram em divindades maléficas; outros os designam pelos nomes de demônios, maus gênios, Espíritos do mal.

Quando encarnados, os seres vivos que eles constituem se mostram propensos a todos os vícios geradores das paixões vis e degradantes: a sensualidade, a crueldade, a felonia, a hipocrisia, a cupidez, a avareza sórdida. Fazem o mal por prazer, as mais das vezes sem motivo, e por ódio ao bem, quase sempre escolhendo suas vítimas entre as pessoas honestas. São flagelos para a Humanidade, pouco importando a categoria social a que pertençam, e o verniz da civilização não os forra ao opróbrio e à ignomínia.


Oitava classe. — ESPÍRITOS LEVIANOS. — São ignorantes, travessos, irrefletidos e zombeteiros. Metem-se em tudo, a tudo respondem, sem se incomodarem com a verdade. Gostam de causar pequenos desgostos e ligeiras alegrias, de aborrecer, de induzir maliciosamente em erro, por meio de mistificações e de espertezas. A esta classe pertencem os Espíritos vulgarmente tratados de duendes, trasgos, gnomos, diabretes. Acham-se sob a dependência dos Espíritos superiores, que muitas vezes os empregam, como fazemos com os nossos servidores.

Mais que outros, parecem ligados à matéria e ser os principais agentes das vicissitudes dos elementos do globo, quer vivam no ar, na água, no fogo, nos corpos sólidos ou nas entranhas da Terra. Muitas vezes manifestam sua presença por efeitos sensíveis, tais como pancadas, movimento e deslocamento anormal de corpos sólidos, agitação do ar, etc., o que lhes valeu o nome de Espíritos batedores ou perturbadores. Reconhece-se que tais fenômenos não se devem a uma causa fortuita e natural quando têm um caráter intencional e inteligente. Todos os Espíritos podem produzir esses fenômenos, porém os Espíritos elevados em geral deixam essas atribuições aos inferiores, mais aptos às coisas materiais que às inteligentes.

Em suas comunicações com os homens, a linguagem de que se servem é, por vezes, espirituosa e faceta, mas quase sempre sem profundidade. Exploram as falhas e o lado ridículo dos homens e das coisas, comentando-os em traços mordazes e satíricos. Se tomam nomes supostos, é mais por malícia que por maldade.


Sétima classe. — ESPÍRITOS PSEUDO-SÁBIOS. — Dispõem de conhecimentos bastante amplos, porém creem saber mais do que realmente sabem. Tendo realizado alguns progressos sob diversos pontos de vista, a linguagem deles aparenta um cunho de seriedade, susceptível de iludir com respeito às suas capacidades e luzes. Mas, em geral, isso não passa de reflexo dos preconceitos e ideias sistemáticas que nutriam na vida terrena. É uma mistura de algumas verdades com os erros mais absurdos, através dos quais penetram a presunção, o orgulho, o ciúme e a obstinação, de que ainda não puderam despir-se.


Sexta classe. — ESPÍRITOS NEUTROS. — Nem bastante bons para fazerem o bem, nem bastante maus para fazerem o mal. Pendem tanto para um como para o outro e não ultrapassam a condição comum da Humanidade, quer no que concerne ao moral, quer no que toca à inteligência. Apegam-se às coisas deste mundo, de cujas grosseiras alegrias sentem saudades.


3. — SEGUNDA ORDEM. — BONS ESPÍRITOS.


Características gerais. — Predominância do espírito sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e poderes para o bem estão em relação com o grau de adiantamento que hajam alcançado; uns têm ciência, outros a sabedoria e a bondade. Os mais adiantados aliam o saber às qualidades morais. Não estando ainda completamente desmaterializados, conservam mais ou menos, conforme a categoria que ocupem, os traços da existência corporal, assim na forma da linguagem, como nos hábitos, entre os quais se descobrem mesmo algumas de suas manias. De outro modo, seriam Espíritos perfeitos.

Compreendem Deus e o infinito e já gozam da felicidade dos bons. São felizes pelo bem que fazem e pelo mal que impedem. O amor que os une lhes é fonte de inefável ventura, que não tem a perturbá-la nem a inveja, nem os remorsos, nem nenhuma das paixões más que constituem o tormento dos Espíritos imperfeitos. Todos, entretanto, ainda têm de passar por provas, até que atinjam a perfeição absoluta.

Como Espíritos, suscitam bons pensamentos, desviam os homens da senda do mal, protegem na vida os que se lhes mostram dignos de proteção e neutralizam a influência dos Espíritos imperfeitos sobre aqueles a quem não é grato sofrê-la.

Quando encarnados, são bondosos e benevolentes com os semelhantes. Não os movem o orgulho, nem o egoísmo, ou a ambição. Não experimentam ódio, rancor, inveja ou ciúme e fazem o bem pelo bem.

A esta ordem pertencem os Espíritos designados, nas crenças vulgares, pelos nomes de bons gênios, gênios protetores, Espíritos do bem. Em épocas de superstições e de ignorância, eles hão sido elevados à categoria de divindades benfazejas.

Podem, igualmente, ser divididos em quatro grupos principais:


Quinta classe. — ESPÍRITOS BENÉVOLOS. — A bondade é neles a qualidade dominante. Apraz-lhes prestar serviço aos homens e protegê-los. Limitados, porém, são os seus conhecimentos. Hão progredido mais no sentido moral do que no sentido intelectual.


Quarta classe. — ESPÍRITOS DE CIÊNCIA. — Distinguem-se especialmente pela amplitude de seus conhecimentos. Preocupam-se menos com as questões morais, do que com as de natureza científica, para as quais têm maior aptidão. Entretanto, só encaram a Ciência do ponto de vista da sua utilidade e jamais dominados por quaisquer paixões próprias dos Espíritos imperfeitos.


Terceira classe. — ESPÍRITOS DE SABEDORIA. — As qualidade morais da ordem mais elevada são o que os caracteriza. Sem possuírem ilimitados conhecimentos, são dotados de uma capacidade intelectual que lhes faculta juízo reto sobre os homens e as coisas.


Segunda classe. — ESPÍRITOS SUPERIORES. — Esses em si reúnem a ciência, a sabedoria e a bondade. Da linguagem que empregam se exala sempre a benevolência; é uma linguagem invariavelmente digna, elevada e, muitas vezes, sublime. Sua superioridade os torna mais aptos do que os outros a nos darem as mais justas noções sobre as coisas do mundo incorpóreo, dentro dos limites do que é permitido ao homem saber. Comunicam-se de bom grado com os que procuram de boa-fé a verdade e cuja alma já está bastante desprendida das ligações terrenas para compreende-la. Afastam-se, porém, daqueles a quem só a curiosidade impele, ou que, pela influência da matéria, são desviados da prática do bem.

Quando, por exceção, encarnam na Terra, é para cumprir missão de progresso e, então, nos oferecem o tipo da perfeição a que a Humanidade pode aspirar neste mundo.


4. — PRIMEIRA ORDEM. — ESPÍRITOS PUROS.


Características gerais. — Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens.


Primeira classe. — CLASSE ÚNICA. — Os Espíritos que a compõem percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é susceptível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.

Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a de ociosidade monótona, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal. Comandam a todos os Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes designam as suas missões. Assistir os homens nas suas aflições, concitá-los ao bem ou à expiação das faltas que os conservam distanciados da suprema felicidade, constitui para eles ocupação gratíssima. São designados às vezes pelos nomes de anjos, arcanjos ou serafins.

Podem os homens pôr-se em comunicação com eles, mas extremamente presunçoso seria aquele que pretendesse tê-los constantemente às suas ordens. n


5. — ESPÍRITOS ERRANTES OU ENCARNADOS.


Quanto às suas qualidades íntimas, os Espíritos pertencem a diferentes ordens, que percorrem sucessivamente à medida que se depuram. Como estado, podem estar encarnados, isto é, unidos a um corpo num mundo qualquer; ou errantes, ou seja, despojados do corpo material e aguardando nova encarnação para se melhorarem.

Os Espíritos errantes não formam uma categoria especial; é um dos estados em que podem encontrar-se.

O estado errante ou de erraticidade não constitui inferioridade para os Espíritos, pois que nele os podemos encontrar de todos os graus. Todo Espírito que não está encarnado é, por isso mesmo, errante, à exceção dos Espíritos puros que, não tendo mais encarnação a sofrer, estão no seu estado definitivo.

Não sendo a encarnação senão um estado transitório, a erraticidade é, em verdade, o estado normal dos Espíritos e esse estado não lhes é, forçosamente, uma expiação. São felizes ou desventurados conforme seu grau de elevação e segundo o bem ou mal que hajam praticado.



[1] N. do T.: Classificação modificada mais tarde por Allan Kardec, quando do aparecimento da 2ª edição francesa (definitiva) de O Livro dos Espíritos, em 1860 – Vide Livro II, Cap. II, itens 101 a 113.


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