O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Livro dos Espíritos.

(Idioma francês)

Introdução


ao estudo


DA DOUTRINA ESPÍRITA.


III.

1 Como tudo que constitui novidade, a Doutrina Espírita conta adeptos e contraditores. Vamos tentar responder a algumas das objeções destes últimos, examinando o valor dos motivos em que se apoiam, sem alimentarmos, todavia, a pretensão de convencer a todos, pois muitos há que creem ter sido a luz feita exclusivamente para eles. 2 Dirigimo-nos aos de boa fé, aos que não trazem ideias preconcebidas ou decididamente firmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejam instruir-se e lhes demonstraremos que a maior parte das objeções opostas à doutrina promanam de incompleta observação dos fatos e de juízo leviano e precipitadamente formado.

3 Lembremos, antes de tudo, em poucas palavras, a série progressiva dos fenômenos que deram origem a esta doutrina.

4 O primeiro fato observado foi o da movimentação de objetos diversos. Designaram-no vulgarmente pelo nome de mesas girantes ou dança das mesas. 5 Este fenômeno, que parece ter sido notado primeiramente na América, ou, melhor, que se repetiu nesse país, porquanto a História prova que ele remonta à mais alta Antiguidade, se produziu rodeado de circunstâncias estranhas, tais como ruídos insólitos, pancadas sem nenhuma causa ostensiva. 6 Em seguida, propagou-se rapidamente pela Europa e pelas outras partes do mundo; 7 a princípio quase que só encontrou incredulidade, porém, ao cabo de pouco tempo, a multiplicidade das experiências não mais permitiu lhe pusessem em dúvida a realidade.

8 Se tal fenômeno se houvesse limitado ao movimento de objetos materiais, poderia explicar-se por uma causa puramente física. 9 Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da Natureza, ou todas as propriedades dos que conhecemos: a eletricidade multiplica diariamente os recursos que proporciona ao homem e parece destinada a iluminar a Ciência com uma nova luz. 10 Nada de impossível haveria portanto, em que a eletricidade modificada por certas circunstâncias, ou qualquer outro agente desconhecido, fosse a causa dos movimentos observados. 11 O fato de que a reunião de muitas pessoas aumenta a potencialidade da ação parecia vir em apoio dessa teoria, visto poder-se considerar o conjunto dos assistentes como uma pilha múltipla, com o seu potencial na razão direta do número dos elementos.

12 O movimento circular nada apresentava de extraordinário: está na Natureza. Todos os astros se movem em curvas elipsoides; poderíamos, pois, ter ali, em ponto menor, um reflexo do movimento geral do Universo, ou, melhor, uma causa, até então desconhecida, produzindo acidentalmente, com pequenos objetos e em dadas condições, uma corrente análoga à que impele os mundos.

13 Mas, o movimento nem sempre era circular; muitas vezes era brusco e desordenado, sendo o objeto violentamente sacudido, derribado, levado numa direção qualquer e, contrariamente a todas as leis da estática, levantado e mantido em suspensão. 14 Ainda aqui nada havia que se não pudesse explicar pela ação de um agente físico invisível. Não vemos a eletricidade deitar por terra edifícios, desarraigar árvores, atirar longe os mais pesados corpos, atraí-los ou repeli-los?

15 Os ruídos insólitos, as pancadas, ainda que não fossem um dos efeitos ordinários da dilatação da madeira, ou de qualquer outra causa acidental, podiam muito bem ser produzidos pela acumulação de um fluido oculto: a eletricidade não produz formidáveis ruídos?

16 Até aí, como se vê, tudo pode caber no domínio dos fatos puramente físicos e fisiológicos. Sem sair desse âmbito de ideias, já ali havia, no entanto, matéria para estudos sérios e dignos de prender a atenção dos sábios. 17 Porque assim não aconteceu? É penoso dize-lo, mas o ato deriva de causas que provam, entre mil outros semelhantes, a leviandade do espírito humano. 18 A vulgaridade do objeto principal que serviu de base às primeiras experiências não foi alheia à indiferença dos sábios. Que influência não tem tido muitas vezes uma palavra sobre as coisas mais graves!

19 Sem atenderem a que o movimento podia ser impresso a um objeto qualquer, a ideia das mesas prevaleceu, sem dúvida, por ser o objeto mais cômodo e porque, à roda de uma mesa, muito mais naturalmente do que em torno de qualquer outro móvel, se sentam diversas pessoas. 20 Ora, os homens superiores são com frequência tão pueris que não há como ter por impossível que certos espíritos de escol hajam considerado deprimente ocuparem-se com o que se convencionara chamar a dança das mesas. 21 É mesmo provável que se o fenômeno observado por Galvâni o fora por homens vulgares e ficasse caracterizado por um nome burlesco, ainda estaria relegado a fazer companhia à varinha mágica. Qual, com efeito, o sábio que não houvera julgado uma indignidade ocupar-se com a dança das rãs?

22 Alguns, entretanto, muito modestos para convirem em que bem poderia dar-se não lhes ter ainda a Natureza dito a última palavra, quiseram ver, para tranquilidade de suas consciências; 23 mas aconteceu que o fenômeno nem sempre lhes correspondeu à expectativa e, do fato de não se haver produzido constantemente à vontade deles e segundo a maneira de se comportarem na experimentação, concluíram pela negativa; 24 mau grado, porém, ao que decretaram, as mesas, pois que há mesas, continuam a girar e podemos dizer com Galileu: todavia, elas se movem! 25 Acrescentaremos: “é que os fatos se multiplicaram de tal modo que desfrutam hoje do direito de cidade, não mais se cogitando senão de lhes achar uma explicação racional”.

26 Contra a realidade do fenômeno, poder-se-ia induzir alguma coisa da circunstância de ele não se produzir de modo sempre idêntico, conformemente à vontade e às exigências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de química não estão subordinados a certas condições? Será lícito negá-los, porque não se produzem fora dessas condições? 27 Que há, pois, de surpreendente em que o fenômeno do movimento dos objetos pelo fluido humano também se ache sujeito a determinadas condições e deixe de se produzir quando o observador, colocando-se no seu ponto de vista, pretende faze-lo seguir a marcha que caprichosamente lhe imponha, ou queira sujeitá-lo às leis dos fenômenos conhecidos, sem considerar que para fatos novos pode e deve haver novas leis? 28 Ora, para se conhecerem essas leis, preciso é que se estudem as circunstâncias em que os fatos se produzem e esse estudo não pode deixar de ser fruto de observação perseverante, atenta e às vezes muito longa.

29 Objetam, porém, algumas pessoas: há frequentemente fraudes manifestas. Perguntar-lhe-emos, em primeiro lugar, se estão bem certas de que haja fraudes e se não tomaram por fraude efeitos que não podiam explicar, mais ou menos como o camponês que tomava por destro escamoteador um sábio professor de Física a fazer experiências. 30 Admitindo-se mesmo que tal coisa tenha podido verificar-se algumas vezes, constituiria isso razão para negar-se o fato? Dever-se-ia negar a Física, porque há prestidigitadores que se exornam com o título de físicos? 31 Cumpre, ao demais, se leve em conta o caráter das pessoas e o interesse que possam ter em iludir. Seria tudo, então, mero gracejo? Admite-se que uma pessoa se divirta por algum tempo, mas um gracejo prolongado indefinidamente se tornaria tão fastidioso para o mistificador, como para o mistificado. 32 Acresce que, numa mistificação que se propaga de um extremo a outro do mundo e por entre as mais austeras, veneráveis e esclarecidas personalidades, qualquer coisa há, com certeza, tão extraordinária, pelo menos, quanto o próprio fenômeno.


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