O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Livro dos Espíritos — Livro II — Leis morais.

(1ª edição)
(Idioma francês)

Capítulo V.


IV. Lei de conservação.

Instinto de conservação. — Gozo dos bens terrenos. — Necessário e supérfluo. — Limite das necessidades e prazeres do homem. — Excesso e abuso. — Privações voluntárias. — Mortificações ascéticas. — Mutilações. — Suicídio. (Questões 338 a 356.)


338. O instinto de conservação é uma lei da Natureza? [Questão 702.]
“Sem dúvida. Todos os seres vivos o possuem.”


338 a. Com que objetivo Deus concedeu a todos os seres vivos o instinto de conservação? [Questão 703.]
“Porque todos têm que concorrer para o cumprimento dos desígnios da Providência. Foi por isso que Deus lhes deu a necessidade de viver.”


Até o momento fixado pela Natureza para o término da vida corpórea, o homem sente temor da morte e faz tudo para se apegar à existência. Deus quer que ele viva o bastante para cumprir sua missão na Terra.


339. Tendo dado ao homem a necessidade de viver, Deus sempre lhe facultou os meios para isso? [Questão 704.]
“Sim, e se o homem não os encontra é porque não os compreende.”


Deus não haveria de dar ao homem a necessidade de viver sem lhe fornecer os meios. É por isso que faz a Terra produzir bens que abasteçam com o necessário todos os seus habitantes, porquanto somente o necessário é útil: o supérfluo jamais o é.


340. Por que nem sempre a Terra produz bastante para fornecer ao homem o necessário? [Questão 705.]
“É que, por ser ingrato, o homem a despreza! A Terra, no entanto, é excelente mãe.”


A Terra produziria sempre o necessário se o homem soubesse contentar-se com o necessário. Se ela não lhe basta a todas as necessidades, é que ele emprega no supérfluo o que poderia ser aplicado no necessário.


341. O uso dos bens da Terra é um direito de todos os homens?
“Sim, pois sem esse direito eles não poderiam viver.”


341 a. Que se deve pensar dos que se apropriam dos bens da Terra para se proporcionarem o supérfluo, com prejuízo daqueles a quem falta o necessário? [Questão 717.]
“Desprezam a Lei de Deus.”


Deus concedeu ao homem a faculdade de gozar dos bens da Terra na medida de suas necessidades. O uso desses bens é, portanto, uma lei da Natureza, dependente da lei de conservação; assim, aqueles que se apropriam de tais bens para ter o supérfluo e privar os semelhantes do necessário terão de responder pelas privações que lhes impuseram.


342. Por bens da Terra só se devem entender os produtos do solo? [Questão 706.]
“Não; mas tudo quanto o homem pode desfrutar neste mundo.”


343. Como pode o homem conhecer o limite do necessário? [Questão 715.]
“Somente o sábio o conhece.”


343 a. A Natureza não traçou os limites de nossas necessidades por meio da própria organização física que nos concedeu? [Questão 716.]
“Sim, mas o homem é insaciável e criou para si necessidades artificiais.”


A Natureza traçou limites às necessidades do homem por meio da própria organização física que lhe deu, mas os vícios alteraram sua constituição e lhe criaram necessidades que não são reais.


344. Com que finalidade Deus pôs atrativos no gozo dos bens terrenos? [Questão 712.]
“Para estimular o homem ao cumprimento de sua missão e também para experimentá-lo por meio da tentação.”


344 a. Qual o objetivo dessa tentação? [Questão 712 a.]
“Desenvolver-lhe a razão, que o deve preservar dos excessos.”


Se o homem só fosse estimulado ao uso dos bens terrenos pela utilidade que têm, sua indiferença teria talvez comprometido a harmonia do Universo. Deus lhe deu o atrativo do prazer, que o impele ao cumprimento dos desígnios da Providência. Além disso, por meio desse próprio atrativo, quis Deus experimentar o homem pela tentação, que o arrasta ao abuso, do qual a razão deve defendê-lo.


345. A Natureza traçou limites aos gozos? [Questão 713.]
“Sim.”


345 a. Por que Deus impôs limites aos prazeres?
“Para vos indicar o limite do necessário. Mas, por vossos excessos, chegais à saciedade e com isso vos punis a vós mesmos.” [Questão 713.]


As doenças, as enfermidades e a própria morte, que resultam do abuso, são, ao mesmo tempo, o castigo à transgressão da Lei de Deus. [Questão 714 a.]


346. Que se deve pensar do homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte de seus prazeres? [Questão 714.]
“Pobre criatura, que devemos lastimar e não invejar, porque está bem perto da morte!”


346 a. Perto da morte física, ou da morte moral? [Questão 714 a.]
“De ambas.”


O homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte do gozo coloca-se abaixo do animal, pois que este se detém quando satisfeita sua necessidade. Tal homem abdica da razão que Deus lhe deu por guia, e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior preponderância confere ele à sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual.


347. A lei de conservação obriga o homem a prover às necessidades do corpo? [Questão 718.]
“Sim; sem força e sem saúde o trabalho é impossível.”


347 a. O homem deve ser censurado por procurar o bem-estar? [Questão 719.]
“O bem-estar é um desejo natural. Deus só proíbe o abuso, por ser contrário à conservação.”


348. As privações voluntárias, que objetivam uma expiação igualmente voluntária, têm algum mérito aos olhos de Deus? [Questão 720.]
“Fazei o bem aos outros e mais mérito tereis.”


348 a. Haverá privações voluntárias que sejam meritórias? [Questão 720 a.]
“Sim, a privação dos prazeres inúteis, porque liberta o homem da matéria e eleva sua alma.”


As privações meritórias consistem em resistir o homem à tentação que o arrasta aos excessos e aos gozos das coisas inúteis, ou, ainda, em tirar ele do que lhe é necessário para dar aos que não têm o suficiente. Se a privação não passar de vão simulacro, será um escárnio.


349. A vida de mortificações ascéticas é meritória? [Questão 721.]
“Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta. Se somente serve para quem a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo. A verdadeira mortificação consiste em privar-se a si mesmo e trabalhar para os outros.”


350. Que se deve pensar das mutilações operadas no corpo do homem ou dos animais? [Questão 725.]
“Qual o propósito de semelhante questão? Perguntai sempre se uma coisa é útil. O que é inútil não pode agradar a Deus e o que é prejudicial sempre lhe é desagradável. Porque, ficai sabendo, Deus só é sensível aos sentimentos que elevam a alma até Ele, e é praticando suas leis que podereis sacudir o jugo de vossa matéria terrestre.”


351. O homem tem o direito de dispor de sua própria vida? [Questão 944.]
“Não; somente Deus tem esse direito. O suicídio voluntário é uma transgressão à lei divina.”


351 a. Nem sempre o suicídio é voluntário? [Questão 944 a.]
“Não; o louco que se mata não sabe o que faz.”


352. Que se deve pensar do suicídio que tem como causa o desgasto da vida? [Questão 945.]
“Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes teria sido tão pesada.”


353. E do suicídio cujo fim é escapar às misérias e decepções deste mundo? [Questão 946.]
“Pobres Espíritos, que não têm a coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem, e não aos que não têm força nem coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão recompensados!”


353 a. Que pensar dos que hajam conduzido o infeliz a esse ato de desespero? [Questão 946 a.]
“Oh! Ai deles! Serão punidos por Deus. Responderão como por um assassínio.”


354. E do suicídio que tem por fim escapar à vergonha de uma ação má? [Questão 948.]
“Não o absolvo, pois o suicídio não apaga a falta. Ao contrário, em vez de uma, haverá duas. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso tê-la também para lhe sofrer as consequências. Deus é quem julga e, algumas vezes, conforme a causa, pode abrandar os rigores de sua justiça.”


354 a. Será desculpável o suicídio quando tenha por fim impedir que a vergonha recaia sobre os filhos, ou sobre a família? [Questão 949.]
“Aquele que assim procede não age bem, embora acredite fazê-lo, e Deus lhe levará em conta esse gesto; mas é uma expiação que o suicida se impõe a si mesmo. A intenção lhe atenua a falta, mas nem por isso deixa de haver falta. Além disso, se abolirdes de vossa sociedade os abusos e os preconceitos, não mais tereis suicídios.”


Aquele que tira a si mesmo a vida para fugir à vergonha de uma ação má prova que dá mais valor à estima dos homens do que à de Deus, visto como retorna à vida espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de repará-las durante a vida na Terra. Deus muitas vezes é menos inexorável do que os homens; perdoa o arrependimento sincero e leva em conta a reparação.


355. Que pensar daquele que se mata na esperança de chegar mais depressa a uma vida melhor? [Questão 950.]
“Outra loucura! Que faça o bem e estará mais certo de lá chegar, pois, suicidando-se, retarda sua entrada num mundo melhor e ele mesmo pedirá para vir concluir a vida que interrompeu, movido por uma ideia falsa. Uma falta, não importa sua natureza, nunca abre o santuário dos eleitos.”


356. Não é, algumas vezes, meritório o sacrifício da vida, quando tem por objetivo salvar a vida de outrem, ou ser útil aos semelhantes? [Questão 951.]
“Isso é sublime, conforme a intenção. Deus, porém, se opõe a todo sacrifício inútil, e não pode vê-lo com prazer se estiver manchado pelo orgulho. O sacrifício só é meritório quando feito com desinteresse e, algumas vezes, quem o faz é movido por segundas intenções, o que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.”


Todo sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato soberanamente meritório aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o bem terreno a que o homem dá maior apreço, aquele que a ela renuncia pelo bem de seus semelhantes não comete nenhum atentado: faz um sacrifício. Mas, antes de o cumprir, deve refletir se sua vida não será mais útil que sua morte.


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