O Caminho Escritura do Espiritismo Cristão.
Doutrina espírita - 1ª parte.

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O Livro dos Espíritos.

(1ª edição)
(Idioma francês)

Introdução

ao estudo da Doutrina Espírita. 61

Resposta a várias objeções.
[II]


1 Há outra palavra acerca da qual importa igualmente que todos se entendam, porque é uma das pedras angulares de toda doutrina moral, e ser objeto de inúmeras controvérsias, à falta de uma acepção bem determinada: a palavra alma. 2 A divergência de opiniões sobre a natureza da alma provém da aplicação particular que cada um faz desse vocábulo. Uma língua perfeita, em que cada ideia tivesse sua representção por um termo próprio, evitaria muitas discussões; com uma palavra para cada coisa todos se entenderiam.

3 Segundo uns, a alma é o princípio da vida material orgânica; não tem existência própria e cessa com a vida: é o materialismo puro. 4 Neste sentido e por comparação, dizem de um instrumento rachado, que não produz mais som, que ele não tem alma. Conforme essa opinião, tudo que vive teria uma alma, tanto as plantas como os animais e o homem. 64

5 Outros pensam que a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve uma porção. 6 Segundo esses, não haveria em todo o Universo senão uma só alma a distribuir centelhas entre os diversos seres inteligentes durante a vida destes; após a morte, cada centelha retorna à fonte comum, confundindo-se com o todo, como os regatos e os rios voltam ao mar, de onde saíram. 7 Essa opinião difere da precedente em que, nesta hipótese, há em nós algo mais que a matéria, restando alguma coisa após a morte; mas, é quase como se nada restasse, visto que, não tendo mais individualidade, não mais teríamos consciência de nós mesmos. 8 Dentro desta opinião, a alma universal seria Deus, e cada ser uma porção da Divindade; é a doutrina do panteísmo.

9 Segundo outros, enfim, a alma é um ser moral, distinto, independente da matéria e que conserva sua individualidade após a morte. 10 Esta acepção é, sem contestação, a mais geral, porque, sob um nome ou outro, a ideia desse ser que sobrevive ao corpo se encontra em estado de crença instintiva, e independentemente de qualquer ensinamento, entre todos os povos, seja qual for seu grau de civilização. 11 Essa doutrina é a dos espiritualistas.

12 Sem discutir aqui o mérito dessas opiniões e colocando-nos por um momento em terreno neutro, diremos que estas três aplicações da palavra alma constituem três ideias distintas, que reclamariam cada uma um termo diferente. 13 Essa palavra tem, pois, tríplice acepção e cada um tem razão, de seu ponto de vista, na definição que lhe dá; o mal decorre do fato de não dispor a língua senão de uma palavra para exprimir três ideias. 14 A fim de evitar todo equívoco, seria necessário restringir-se a acepção da palavra alma a uma dessas três ideias; 15 a escolha é indiferente, desde que todos se entendam, pois tudo isto é uma questão de convenção. 16 Julgamos mais lógico tomá-la na sua acepção mais comum; por isso chamaremos ALMA ao ser imaterial e individual que reside em nós e sobrevive ao corpo.

17 Na falta de um vocábulo especial para cada uma das duas outras ideias a que corresponde a palavra alma, denominamos:

18 Princípio vital, o princípio da vida material e orgânica, seja qual for sua fonte, e que é comum a todos os seres vivos, desde as plantas até o homem.

19 O princípio vital é coisa distinta e independente, já que pode haver vida com abstração da faculdade de pensar. A palavra vitalidade não expressaria a mesma ideia. Para alguns, o princípio vital é uma propriedade da matéria, um efeito que se produz quando a matéria se acha em dadas circunstâncias. 20 Segundo outros, e esta é a ideia mais comum, ele reside num fluido especial, universalmente espalhado e do qual cada ser absorve e assimila uma parte durante a vida, como vemos os corpos inertes absorverem a luz. 21 Esse seria, então, o fluido vital que, na opinião de alguns, não seria outro que o fluido elétrico animalizado, também designado por fluido magnético, fluido nervoso, etc.

22 Seja como for, há um fato que não se poderia contestar, pois que resulta da observação: é que os seres orgânicos têm em si uma força íntima que produz o fenômeno da vida, enquanto essa força existe; 23 que a vida material é comum a todos os seres orgânicos e que ela independe da inteligência e do pensamento; 24 que a inteligência e o pensamento são faculdades próprias de certas espécies orgânicas; 25 finalmente, que entre as espécies orgânicas dotadas de inteligência e de pensamento há uma, dotada de um senso moral especial que lhe dá incontestável superioridade sobre as outras: a espécie humana.

26 Chamamos, finalmente, inteligência animal ao princípio intelectual comum em diversos graus a homens e animais, independente do princípio vital e cuja fonte nos é desconhecida.

27 A alma, na acepção exclusiva que adotamos, é atributo especial do homem.

28 Concebe-se que, com uma acepção múltipla do termo alma, a alma não exclui o materialismo, nem o panteísmo. O próprio espiritualista pode muito bem entender a alma segundo uma ou outra das duas primeiras definições, sem prejuízo do ser imaterial distinto, a que então dará um nome qualquer. Assim, essa palavra não representa uma opinião: é um proteu, que cada um ajeita à vontade. Daí tantas disputas intermináveis.

29 Evitar-se-ia igualmente confusão, mesmo se servindo da palavra alma nos três casos, desde que se lhe ajuntasse um qualificativo especificando o ponto de vista sob o qual a encaramos ou a aplicação que dela se faz. 30 Esta teria, então, um termo genérico, como gás, por exemplo, que se distingue de outro ajuntando-se-lhe as palavras hidrogênio, oxigênio, azoto, etc. 31 Poder-se-ia, assim, dizer (e talvez fosse o melhor) a alma vital, indicando o princípio da vida material, 32 a alma intelectual, o princípio da inteligência; 33 e a alma espírita, o princípio de nossa individualidade após a morte. 34 Como se vê, tudo isso é uma questão de palavras, mas questão muito importante para nos entendermos. 35 De acordo com isso, a alma vital seria comum a todos os seres orgânicos: plantas, animais e homens; 36 a alma intelectual seria própria dos animais e dos homens, 37 e a alma espírita pertenceria somente ao homem.

38 Julgamos dever insistir nestas explicações pela razão de que a Doutrina Espírita repousa naturalmente sobre a existência, em nós, de um ser independente da matéria e que sobrevive ao corpo. 39 Devendo a palavra alma repetir-se frequentemente no curso desta obra, importava ser fixada no sentido que lhe atribuímos, a fim de evitarmos todo engano.

40 Passemos, agora, ao objeto principal desta instrução preliminar.  >>> 



[64] N.T.: Na edição definitiva de 1860, o último período deste parágrafo passou a ter a seguinte redação: “Conforme essa opinião, a alma seria um efeito e não uma causa”.

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